Jurisprudência Tributária
Tributário. Apelação cível. Anulatória de lançamento fiscal com pedido de repetição de indébito.
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - TJPR.
Apelação Cível n° 639.810-3
Origem: 3ª Vara Cível da Comarca de Londrina
Apelante: Município de Londrina
Apelada: Suely Portes Zarpelão
Relator: Des. Silvio Dias
Revisor: Juiz Substituto de 2º Grau Péricles Bellusci de Batista Pereira
TRIBUTÁRIO - APELAÇÃO CÍVEL - ANULATÓRIA DE LANÇAMENTO FISCAL COM PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO - IPTU COBRADO EM RAZÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 175 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO MUNICIPAL (LEI 7303/97) - DESCONFORMIDADE COM O ESTATUTO DAS CIDADES (LEI 10257/2001) - INCONSTITUCIONALIDADE DA ALÍQUOTA PROGRESSIVA - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 186, § 4º, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PAGAMENTO INDEVIDO - COMPROVAÇÃO - JUNTADA DE EXTRATO - ATUALIZAÇÃO DO VALOR EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. VERBA HONORÁRIA - REDUÇÃO - APLICABILIDADE DO § 3º DO ARTIGO 20 DO CPC. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Para que se possa cobrar o imposto progressivo, tal qual se fez, a Constituição Federal estabelece determinadas limitações. Dentre elas, é a obrigatoriedade de estar previsto em lei federal, além de ser estabelecido em lei municipal específica. O Estatuto da Cidade (Lei 10257/2001) atendeu o requisito disposto no § 4º do art. 182 da CF, sendo a lei federal que trata da instituição da progressividade no tempo, mas o artigo de lei em que se fundaram os lançamentos em comento (art. 175 da Lei 7.303/1997 - Código Tributário Municipal) não pode ser considerado válido.
Foram comprovados os valores pagos pela contribuinte com a juntada de Estratos de Lançamento Imobiliário - documento este fornecido pela Secretaria Municipal de fazenda - ficando para liquidação de sentença apenas a atualização dos valores.
A verba honorária deve ser reduzida em razão do disposto no § 4º do artigo 20 do Código de Processo Civil.
Trata-se de recurso de apelação interposto em face da sentença de fls.230/237 que julgou parcialmente procedente o pedido inicial para declarar a inconstitucionalidade e ilegalidade da alíquota progressiva do IPTU praticada pelo Município de Londrina no artigo 175 e na Tabela III da lei Municipal n.º 7.303/97, referentes aos exercícios de 2004 e seguintes. Determinou que o exeqüente, ainda, restitua à autora os valores pagos a partir do exercício de 2004 a título de IPTU acima da alíquota seletiva de 3%, com correção monetária pelo INPC a contar de cada desembolso e juros de mora de 1% a partir do trânsito em julgado.
Por fim, em sede de embargos de declaração (fl. 241), reconheceu a ocorrência de sucumbência recíproca, condenando o Município ao pagamento de 70% das custas processuais e honorários advocatícios no valor R$ 400,00. A autora foi condenada ao pagamento dos 30% restantes e honorários no valor de R$ 120,00, devendo a verba de sucumbência ser compensada, nos termos do artigo 21 do CPC, respeitado o benefício da assistência judiciária gratuita.
Inconformado, recorre o Município de Londrina alegando que a inicial é inepta por faltar documento indispensável à propositura da ação; que deveria a parte ter colacionado documento do efetivo pagamento dos valores que entende devem ser repetidos a título de tributo; que o pedido deve ser líquido, atualizado até a data da propositura da ação; que não houve apresentação de nenhum cálculo; que a decisão contraria o artigo 286, III, do CPC; que a ausência de especificação dos valores indevidamente recolhidos importa na necessidade de extinção do feito sem apreciação de seu mérito; que diferir a prova do pagamento e o cálculo do valor devido para momento posterior não se afigura lícito.
Defende a constitucionalidade do IPTU previsto no artigo 175 do CTM, pois se trata de progressividade fiscal; que não possui qualquer correlação com a progressividade extrafiscal; que a progressividade disposta no artigo 156, § 1º, da CF independe de plano diretor, pois está localizado na esfera tributária e não se refere ao reordenamento de áreas urbanas.
Sucessivamente, argumenta que caso se entenda que a progressividade não possui natureza fiscal e sim extrafiscal, a cobrança permanece constitucional; que depois da EC 29/2000 o ordenamento jurídico passou a prever a existência de dois tipos de progressividade, sendo um deles a progressividade extrafiscal disposta no artigo 182, § 4º, II; que, neste caso, o enfoque é a política urbana; que o legislador constituinte previu uma competência legislativa especial aos Municípios; que enquanto não sobrevém legislação restritiva, a norma pode ser aplicada em sua plenitude, sem restrições.
Quanto à sucumbência, requer a minoração da condenação.
Pede, por fim, o provimento do apelo.
O recurso não foi respondido, conforme certidão de fl. 262 verso.
O representante do Ministério Público opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 274/279).
É o relatório.
VOTO
Conheço do recurso, pois tempestivo, uma vez que a sentença foi publicada em 30.03.2009 (fl. 239), com início do prazo recursal em 08.05.2009 (fl. 243) ante a oposição de embargos de declaração e o recurso foi interposto em 12.05.2009, sem preparo ante a qualidade da parte, presentes os demais requisitos de admissibilidade
O art. 175 do Código Tributário Municipal assim dispõe:
Art. 175. Independente da atualização anual dos valores venais, a alíquota que for aplicada aos imóveis não construídos, localizados na zona urbana, quando pertencerem ao mesmo proprietário, sofrerá progressividade de acordo com a Tabela III.
A tabela III, por sua vez, assim dispõe acerca das alíquotas:
III - ITU 3% sobre valor venal até 05 anos
IV - ITU 4% sobre valor venal até 07 anos
V - ITU 5% sobre valor venal até 10 anos
VI - ITU 6% sobre valor venal até 15 anos
VII - ITU 7% sobre valor venal após 15 anos
Portanto, trata-se de cobrança de imposto, de forma progressiva, em decorrência da não edificação de imóvel.
Desse modo, por certo que a cobrança realizada pelo Município de Londrina decorre da previsão do artigo 182, §4º, II, da Constituição Federal e não daquela prevista no art. 156, § 1º, I e II, que igualmente prevê a possibilidade de progressão da alíquota do tributo em razão do valor do imóvel.
O § 4º, II, do artigo 182 assim determina:
"É facultado ao Poder Público Municipal, mediante lei específica para a área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente de:
(...)
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
(...)"
É clara a disposição constitucional de necessidade de existência de lei federal que regulamente a progressividade do tributo nos termos acima citados.
A lei federal, neste caso, é o Estatuto da Cidade (Lei 10257/2001), que atendeu ao requisito disposto no § 4º do art. 182 da CF.
Ocorre que o referido Estatuto prevê, para que se possa considerar legal a cobrança das alíquotas progressiva do imposto, critérios que não foram observados pelo Município de Londrina.
A municipalidade, mesmo levando em conta para a cobrança o tempo de propriedade dos lotes não edificados, editou sua lei específica em desconformidade com o Estatuto da Cidade, tendo como alicerce o Código Tributário Municipal, código este anterior à referida lei federal.
Nesse sentido cito trecho do julgamento da Apelação Cível n.º 589.213-7, de Relatoria da Des.ª Vilma Régia Ramos de Rezende:
"Ocorre que no Código Tributário Municipal não há previsão no sentido de que anteriormente à instituição do IPTU progressivo no tempo seria necessária a notificação do sujeito passivo a promover a edificação ou a devida utilização sob pena de "I - parcelamento ou edificação compulsórios;", consoante regramento no § 4º do art. 182 da Constituição Federal, o que evidencia a inconstitucionalidade do modo de agir da municipalidade.
Além disso, após a edição do Estatuto da Cidade, a lei municipal deveria ter sido adequada ao que nela está disposto, consoante alguns artigos destacados a seguir:
Art. 5º Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.
(...)
§ 2º O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumprimento da obrigação, devendo a notificação ser averbada no cartório de registro de imóveis.
(...)
§ 4º Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a:
I - um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no órgão municipal competente;
II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do empreendimento.
(...)
Art. 7º Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5º desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5º do art. 5º desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos."
Dessa forma, os Municípios somente podem exigir o IPTU progressivo se antes notificarem o proprietário do imóvel não edificado para proceder ao parcelamento do terreno, a sua edificação, ou a sua utilização compulsória. Somente se não implementada uma destas obrigações ficará sujeito à cobrança do IPTU progressivo.
E isso não prevê o Código Tributário do Município de Londrina, pois estabelece de imediato a progressividade do IPTU, razão para ser mantida a sentença que reconheceu a inconstitucional"
Assim, é inconstitucional a previsão de alíquotas progressivas (3% a 7%) neste caso, em razão da desconformidade do Código Tributário Municipal com o Estatuto das Cidades.
Desse modo vem julgando esta Câmara:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA E ANULATÓRIA C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA EM FACE PODER PÚBLICO. POSSIBILIDADE. IPTU. MUNICÍPIO DE LONDRINA. LEI MUNICIPAL Nº. 7.303/97 PROGRESSIVIDADE EXTRAFISCAL. ALÍQUOTA SUPERIOR A 3%. INEXIGIBILLIDADE. PREVISÃO DE ALÍQUOTAS PROGRESSIVAS PARA IMÓVEIS NÃO EDIFICADOS, QUE VARIAM DE 3% A 7%. INCONSTITUCIONALIDADE, PELA AUSÊNCIA DE OBSERVAÇÃO AO ART. 5º DO ESTATUTO DA CIDADE (LEI Nº. 10.257/2001). APLICAÇÃO DA ALÍQUOTA MÍNIMA PREVISTA PARA O IMÓVEL TRIBUTADO, QUE NO CASO É DE 3%, POR SE TRATAR DE IMÓVEL NÃO EDIFICADO. PRECEDENTES. DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR 2ª - AI 617.021-2 - Rel. Cunha Ribas - j. em 16.03.2010 - DJ 384)
Argumenta o Município que não é possível a repetição de indébito em razão da ausência de comprovantes de pagamento e de cálculo discriminado dos valores que devem ser repetidos, no que não lhe assiste.
Foram juntados pela parte Extratos de Lançamento Imobiliários, às fls. 106/107, que informam os pagamentos realizados pelo contribuinte.
Assim, não há que se falar em sentença ilíquida, ou genérica, haja vista a comprovação do recolhimento indevido, ficando para fase de liquidação de sentença apenas o simples cálculo dos juros e da correção monetária incidentes sobre os valores comprovadamente pagos pela apelada às fls. 106/107.
Destarte, não há que se falar em ofensa ao artigo 286, III, do Código de Processo Civil.
Quanto à verba honorária, deve a mesma ser reduzida para R$ 250,00, em razão do que determina o § 4º do artigo 20 do CPC que prevê a apreciação equitativa do juiz, levando em conta o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado e o tempo exigido.
Assim, por se tratar de condenação em desfavor da Fazenda, penso que o valor de R$ 400,00 mostra-se excessivo, razão pela qual o reduzo para R$ 250,00.
Diante do exposto, meu voto é no sentido de conhecer do recurso para, no mérito, dar-lhe parcial provimento, reduzindo a verba honorária fixada em face da Fazenda Pública para R$ 250,00.
DISPOSITIVO
Acordam os integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso para, no mérito, dar-lhe parcial provimento reduzindo a verba honorária fixada em face da Fazenda Pública para R$ 250,00.
Presidiu o julgamento o Des. Cunha Ribas e dele participaram o Desembargador Lauro Laertes de Oliveira e Juiz Substituto de 2º Grau Péricles Bellusci de Batista Pereira.
Curitiba, 22 de junho de 2010
Des. Silvio Vericundo Fernandes Dias
Relator
JURID - Anulatória de lançamento fiscal com pedido de repetição. [02/07/10] - Jurisprudência
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