Ação Ordinária c/c Pedido de Tutela Antecipada. Fornecimento de medicamento.
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
JUÍZO DE DIREITO DA 4ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE NATAL
Processo nº: 001.10.006036-7
Ação: Ação ordinária
Autora: Claudyanne Silva Tomaz de Souza repres. P/ Maria Ivoneide da Silva
Defensora Pública: Fabrícia C. G. Gaudêncio
Réu: Estado do Rio Grande do Norte
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
Trata-se de Ação Ordinária c/c Pedido de Tutela Antecipada interposta por CLAUDYANNE SILVA TOMAZ DE SOUZA repres. p/ MARIA IVONEIDE DA SILVA , devidamente qualificadas nos autos, em desfavor do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, pleiteando o imediato fornecimento de medicamento que possa atuar no tratamento de sua enfermidade.
Alega a demandante ser portadora de "esofagite crônica - CID 10 K20" e "refluxo gastroesofágico - CID k25.4", apresentando quadro de inapetência e dor abdominal, necessitando de suplementação de 900 Kcal, em três etapas de 250ml, da DIETA NUTRISSON SOYA DIET MULTI FIBER, com densidade calórica de 1,2/ml, conforme laudo nutricional de fl.21 dos autos.
Ressalta o requerente que conforme a prescrição nutricional, a mesma necessita utilizar 165g da dieta em pó por dia, totalizando 07 latas por mês, durante três meses, tendo o tratamento um custo de R$ 957,60(novecentos e cinquenta e sete Reais e sessenta centavos). Portanto, ressalta a requerente não possuir condições financeiras de custear o dado tratamento, e o Estado-requerido se omitir no fornecimento do mesmo.
Fundamenta sua pretensão no direito constitucional à saúde e correspondente dever do Estado de assegurar, com absoluta prioridade, o exercício de tal faculdade. Discorreu, ainda, acerca dos requisitos que autorizam a concessão da tutela antecipada.
Deferido o pedido de justiça gratuita nos autos, o requerido foi notificado para apresentar pronunciamento sobre o pleito, apresentando petição para que a UNICAT também fosse notificada para prestar informações.
Autos conclusos em 15/04/2010.
É o relatório. Decido.
Inicialmente, quanto a inexistência de instrumento procuratório na petição inicial, verifico a não obrigatoriedade do já citado instrumento postulatório e a falta de prejuízo ao transcurso regular do processo, quando se trata de atuação de membros da Defensoria Pública, como se observa da leitura do art. 128, IX da Lei 80/94 e do art. 16 da Lei nº 1.060/50.
Ressalto, porém, que tal permissibilidade legal dos Defensores Públicos dirigem-se à atuação receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso, conforme as disposições do caput do art. 38 do Código de processo Civil.
No que concerne à medida de urgência, consoante dispõe o art. 273 do Código de Processo Civil, pode-se afirmar que são requisitos para a antecipação da tutela jurisdicional o requerimento da parte, a existência de prova inequívoca, a verossimilhança da alegação, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu e a reversibilidade do provimento antecipado [1].
Analisando a presença dos citados requisitos indispensáveis a concessão da medida pretendida, está bem caracterizado, a par da documentação dos autos, sobretudo pelo receituário médico de fl. 21 dos autos, a necessidade de realizar o tratamento prescrito.
Assim sendo, pelo menos em uma análise perfunctória da matéria, própria em decisões dessa natureza [2], verifico que restam configurados os requisitos para concessão do provimento de urgência, sendo a verossimilhança embasada no direito da requerente receber os medicamentos supra citado e o receio de dano irreparável consubstanciado no risco à saúde do autor, que se constatará caso não seja concedido, initio litis, provimento de urgência em apresso.
Por outro lado, imperioso afirmar que a "esofagite crônica", atua de forma intensa no organismo humano, exigindo um efetivo controle por meio de medicamentos específicos, cuja realização particular, na maioria das vezes, sacrifica financeiramente a família e o doente, já sofrido em decorrência da doença.
Nossa Constituição Federal, em seu art. 196, preconiza a saúde como um direito de todos e dever do Estado, decorrente do intocável direito à vida (caput do art. 5º, da CF). É de se transcrever o dispositivo:
"A saúde é direito de todos e dever do estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".
Da mesma forma, as disposições infraconstitucionais da Lei nº 8.080/90 tratam do funcionamento dos serviços de saúde, adotando a descentralização político-administrativa como princípio básico do sistema de saúde, dando ênfase à atuação do Estado, embora todas as esferas de governo sejam responsáveis pela saúde da população.
Também o art. 23 da Carta Magna dispõe a competência de todos os níveis da Administração na garantia do exercício do direito público subjetivo à saúde. Vejamos:
"É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
I - omissis;
II cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência."(grifo nosso)
Portanto, é, indubitavelmente, a responsabilidade do Estado do Rio Grande do Norte pela saúde da autora, de forma a fornecer o medicamento necessário, principalmente em se tratando de doença grave, como a do caso, que requer despesas constantes, impossíveis de serem suportados diretamente pelo enfermo sem comprometer outros gastos com sua subsistência.
Diante de tudo exposto, não resta qualquer dúvida, diante das provas constantes dos autos, que a demora processual, inerente ao próprio trâmite, poderá trazer a ineficácia de um possível provimento final procedente, pois caso não seja garantido agora à autora, o direito de ser-lhe fornecido o tratamento prescritos, poderá correr risco de agravamento do seu estado de saúde, configurando deste modo, solidamente, o periculum in mora.
Para corroborar com a idéia da garantia da vida como objeto jurídico maior da sociedade, decidiram largamente os nossos Tribunais Superiores e Regionais sobre este tema de caráter indisponível, como se depreende das ementas abaixo destacadas:
"PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO - O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF." (STF - AGRRE 271286 - 2ª T. - Rel. Min. Celso de Mello - DJU 24.11.2000 - p. 00101).( grifo nosso)
"EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - SUS - OFENSA AO ART. 535 DO CPC - INEXISTÊNCIA - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS - LEGITIMIDADE DA UNIÃO. 1. Em nosso sistema processual, o juiz não está adstrito aos fundamentos legais apontados pelas partes. Exige-se, apenas, que a decisão seja fundamentada, aplicando o magistrado ao caso concreto a legislação considerada pertinente. Inocorrência de violação ao art.535 do CPC. 3. O funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que, qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros. 4. Recuso especial conhecido em parte e improvido." (STJ- RESP 704067. Processo: 200401649570. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA. DJ-:23/05/2005). (grifo nosso)
"EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO, PELO ESTADO, DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. OBRIGAÇÃO DE ORDEM CONSTITUCIONAL. É dever do Estado, enquanto imperativo de ordem constitucional, a plena disponibilidade de meios que resguardem à saúde dos seus súditos, incluindo-se nessa obrigação o pleno e regular fornecimento de medicamentos,. Inexistência de afronta ao princípio da separação dos poderes, ou, ainda, a necessidade de previsão orçamentária e sujeição a procedimentos licitatórios. Remessa Necessária e Apelação conhecidas e improvidas". (TJRN- Apelação Cível nº 2004.001652-2- 3ª Câmara Cível- Relator: Desembargador Aécio Marinho- em 14/06/2005).(grifo nosso)
Bem destacou o Ministro do STF, Gilmar Mendes, em seu voto como Relator das Suspensões de Tutela(STA) 175, 211 e 278, das Suspensões de Segurança 3724, 2944, 2361,3345 e 3355, e da Suspensão de liminar (SL) 47, senão vejamos:
"A dimensão individual do direito á saúde foi destacada pelo Ministro Celso de Mello, relator do AgR-RE nº 271.286-8/RS, ao reconhecer o direito à saúde como um direito público subjetivo assegurado à generalidade das pessoas, que conduz o indivíduo e o Estado a uma relação jurídica obrigacional. Ressaltou o ministro que " a interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional constitucional inconseqüente", impondo aos entes federados um dever de prestação positiva. Concluiu que " a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse como prestações de relevância pública as ações e serviços de saúde( CF, art. 197)", legitimando a atuação do Poder Judiciário nas hipóteses em que a Administração pública descumpra o mandamento constitucional em apreço.(AgR-RE nº 271.286-8/RS, Rel. Celso de Mello, DJ 12.09.2000)".
Ante o exposto, DEFIRO a tutela antecipada pleiteada e, via de conseqüência, determino que o Estado do Rio Grande do Norte, através de sua Secretaria Estadual de Saúde, cumpra imediatamente com o fornecimento da DIETA NUTRISSON SOYA DIET MULTI FIBER de 900 Kcal, em três etapas de 250ml, com densidade calórica de 1,2/ml, sendo 165g da dieta em pó por dia, totalizando 07 latas por mês, durante três meses, conforme laudo nutricional de fl.21 dos autos.
Intime-se com urgência o demandado para o cumprimento imediato desta decisão, comprovando no prazo de 10 (dez) dias o cumprimento desta nos autos; apresentando, também, a respectiva contestação no prazo legal.
Para viabilizar a presente tutela de urgência, notifique-se pessoalmente a Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do Norte, na pessoa do Sr. Secretário de Saúde Estadual para dar imediato cumprimento a esta decisão.
Ofertada contestação com matérias preliminares, ou juntada de documentos, cumpra-se com a determinação contida nos artigos 327 e 398 no Código de Processo Civil, concedendo prazo de 10 (dez) dias para a demandante se pronunciar.
Publique-se, intimem-se e cumpra-se.
Natal, 16 de abril de 2010.
Cícero Martins de Macedo Filho
Juiz de Direito
Notas:
1 - Melhor seria dizer reversibilidade dos efeitos do provimento antecipado, pois o provimento, pela sua própria natureza, é sempre reversível haja vista tratar-se de medida de urgência de caráter provisório. [Voltar]
2 - "Para se chegar à convicção necessária à concessão da tutela antecipada não necessita o magistrado chegar às profundezas de uma instrução exauriente, uma vez que estas são necessárias aos julgamentos definitivos." (c. da 6ª T. do TRF da 3ª R. - v. u. - Ag. 03029524/97 - Rel. Juiz AMÉRICO LACOMBE - j. 12.08.1996 - DJ 18.09.1996, p. 69698.) [Voltar]
JURID - Ação Ordinária. Tutela antecipada [01/07/10] - Jurisprudência
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