Direito do trabalho. Recurso ordinário. Cláusula de convenção coletiva que estabeleça redução do intervalo intrajornada.
Tribunal Regional do Trabalho - TRT6ªR
PROC. TRT Nº: 0127000-06.2008.5.06.0003 (RO)
Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
Relatora: DESEMBARGADORA DINAH FIGUEIRÊDO BERNARDO
Recorrentes: VISHAY PHOENIX DO BRASIL LTDA.
GILBERTO BEZERRA DE ARRUDA
UNIÃO
Recorridos: OS MESMOS
Advogados: Fábio José Medeiros de Souza, Pedro Henrique Chianca
Wanderley e Ana Karla Toscano de B. C. V. Leal (Procuradora) Procedência : 3ª VARA DO TRABALHO DO RECIFE
EMENTA: DIREITO DO TRABALHO. RECURSO ORDINÁRIO. Cláusula de convenção coletiva que estabeleça, por si só, redução do intervalo intrajornada mínimo previsto em lei viola norma de ordem pública, que busca proteger a higidez física e mental do trabalhador, sendo certo que o §3º, do art. 71, da CLT condiciona a redução da pausa a ato do Ministério do Trabalho, após a verificação, pelo órgão competente, de que o estabelecimento atende integralmente às exigências concernentes à organização dos refeitórios. Matéria pacificada nos termos da OJ 342, da SDI-1, do Col. TST.
VISTOS ETC.
Cuidam os presentes autos de recursos ordinários interpostos por VISHAY PHOENIX DO BRASIL LTDA., por GILBERTO BEZERRA DE ARRUDA e pela UNIÃO à decisão proferida às fls. 357/363, integrada pela decisão de embargos declaratórios de fl. 380, que teve procedentes os pedidos formulados na consignatória ajuizada pela VISHAY PHOENIX DO BRASIL LTDA. e procedentes em parte os pedidos deduzidos por GILBERTO BEZERRA DE ARRUDA em sede de reconvenção à aludida consignatória.
Insurge-se a ré, através do arrazoado apresentado às fls. 369/375, em face da condenação ao pagamento de adicional de 50% por dia de supressão parcial do intervalo intrajornada, no período compreendido entre 17.10.2003 (cutelo da prescrição quinquenal declarada) e o mês de julho de 2007 (v. fls. 362 e 380). Alega que entre 17.10.2003 e 11.03.2007 estava autorizada, por convenções coletivas, cujas cópias foram anexadas aos fólios, a reduzir para 40 minutos o intervalo intrajornada, sendo que "no período entre 11 de março de 2005 e 11 de março de 2007, a própria Delegacia Regional do Trabalho do Ministério Público do Trabalho da 6ª Região (sic), pela portaria de nº 32, autorizou a redução do intervalo", e partir de 12.03.2007 o recorrido passou a fruir de uma hora para descanso/alimentação.
Deduz o autor os seguintes pontos de insurgência: a) Título decorrente da supressão parcial do intervalo intrajornada - Requer seja considerado o adicional de 60%, à luz das CCTs da categoria e dos contracheques anexados. Pugna, ainda, à aplicação dos entendimentos consubstanciados nas OJs 307 e 354, da SDI-1, do Col. TST, este último para fins de repercussão da parcela sobre aviso prévio, gratificações natalinas, férias + 1/3, repouso remunerado e depósitos fundiários; b) "Não reconhecimento à estabilidade de cipeiro" - Observa que à época do seu desligamento "a empresa não foi totalmente fechada", sendo que, de acordo com o preposto, "ficaram aproximadamente 30 pessoas trabalhando". Assevera que a atuação da CIPA não se limita a alguns setores da atividade da empresa. Acresce que "apenas foi requerido a (sic) liberação dos valores em audiência de instrução, quando a situação financeira do ora recorrente era insustentável". Razões às fls. 382/87.
Pugna a UNIÃO, às fls. 414/17, à incidência de contribuição previdenciária sobre o título decorrente da supressão parcial do intervalo intrajornada, cuja natureza reputa remuneratória, nos termos do §4º, do art. 71, da CLT.
Contrarrazões tempestivas às fls. 402/405 e 433/450 por autor e ré, respectivamente.
Parecer Ministerial às fls. 422/25.
VOTO:
Admissibilidade
Apelos oportunos. Representações hábeis. Custas e depósito necessário satisfeitos pela ré. Delineados os demais pressupostos formais, deles conheço.
Mérito
RECURSO DA RECLAMADA
Consta dos cartões de ponto referentes ao período compreendido entre 12.03.2007 e o término do contrato, pré-assinalação do tempo de pausa, na forma do §2º, fine, do art. 74, da CLT, de 40 minutos apenas (v. fls. 128/145).
Não obstante, consigna a peça de reconvenção oferecida pelo obreiro que a partir de abril de 2007 passou a gozar intervalo intrajornada de uma hora (v. fl. 59). Como leciona Alexandre Freitas Câmara, "(...) o pedido, para ser adequadamente interpretado, depende fundamentalmente da causa de pedir, que o define e limita" (destaquei) (Lições de Direito Processual Civil, Lumen Juris, 15ª edição, vol. I, pág. 490).
Conclui-se, desse modo, que entre 17.10.2003 e 31.03.2007 o intervalo intrajornada concedido era tão só de 40 minutos, restando analisar se havia autorização, respaldada no ordenamento jurídico pátrio, para tal período de gozo.
Entendo que não.
Cláusula de convenção coletiva que estabeleça, por si só, redução do intervalo intrajornada mínimo previsto em lei viola norma de ordem pública, que busca proteger a higidez física e mental do trabalhador, sendo certo que o §3º, do art. 71, da CLT, invocado pela própria suplicante, condiciona a redução da pausa a ato do Ministério do Trabalho, após a verificação, pelo órgão competente, de que o estabelecimento atende integralmente às exigências concernentes à organização dos refeitórios. Matéria pacificada nos termos da OJ 342, da SDI-1, do Col. TST, in verbis: "É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva".
Acresço que a situação em análise não se adequa às exceções previstas nos incisos VI, XIII e XIV, do art. 7º, da Constituição Federal, valendo ressaltar que o referido inciso XIII trata de majoração de jornada em regime de compensação de horários, o que não é o caso. Desse modo, não há falar em violação ao inciso XXVI, do mesmo art. 7º, da Magna Carta. Neste rumo:
"O intervalo intrajornada é medida que visa à segurança e saúde do trabalhador. É direito irrenunciável, haja vista que a norma que o disciplina (art. 71 da CLT) é de ordem pública. Por esse motivo, não pode ser suprimido, independentemente do regime de jornada cumprido pelo obreiro e de disposição contida em contrato coletivo. Recurso parcialmente provido" (TRT 21ª R. - RO 00893-2007-005-21-00-5 - (71.676) - Rel. Des. Ronaldo Medeiros de Souza - DJ/RN 29.01.2008) (destaquei).
Especificamente quanto ao período compreendido entre 11.03.2005 e 11.03.2007, no qual teria vigorado Portaria do Delegado Regional do Trabalho no Estado de Pernambuco autorizando a redução do intervalo intrajornada para 40 minutos, observo que tal autorização se limitou a setores em relação aos quais não há prova de prestação de serviços pelo autor (CPC, art. 333, II) (v. fl. 209).
Improvejo.
RECURSO DO AUTOR
Das horas decorrentes da supressão parcial do intervalo intrajornada
Comungo dos termos da OJ 307, da SDI-1, do Col. TST, eis que a norma insculpida no §4º, do art. 71, da CLT, é de ordem pública. Deveras: se o intervalo é mínimo, a supressão parcial lesiona da mesma forma o bem da vida objeto de proteção. Com efeito, pausa inferior àquela legalmente estabelecida se afigura inapta à consecução do escopo de recomposição física e mental do trabalhador, sem a qual o segundo turno transcorre com maior dificuldade, menor produtividade e agravamento do risco de acidentes. Confira-se a redação do verbete ora invocado:
"Após a edição da Lei 8.923/1994, a não-concessão total ou parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, implica o pagamento total do período correspondente, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art.71 da CLT)." (destaquei).
Assim, devido o pagamento do salário-hora por dia de supressão parcial do intervalo intrajornada, acrescido do adicional, no período compreendido entre 17.10.2003 e 31.03.2007.
Devidas as repercussões postuladas de tal parcela sobre aviso prévio, gratificações natalinas, n férias + 1/3, repouso semanal remunerado (TST, Súmula 172) e depósitos fundiários, haja vista a expressão "remunerar", constante do supracitado §4º, do art. 71, da CLT. Por idêntico fundamento deverá ser aplicado o adicional de 60%, à luz dos contracheques anexados, e não de 50%.
Vale transcrever, a respeito, a lição do insigne jurista Maurício Godinho Delgado:
"Como este lapso temporal não integra a jornada laborativa obreira, não tendo a natureza de tempo de serviço do empregado, a jurisprudência entendia que tal conduta desrespeitosa não ensejava qualquer pagamento específico ao trabalhador (caso não houvesse extrapolação da jornada regular efetivamente laborada), tipificando-se como mera infração administrativa. É o que dispunha o velho Enunciado n. 88 do TST (que, a propósito, referia-se a desrespeito ao '...intervalo mínimo entre dois turnos de trabalho...' - grifos acrescidos). Mas atenção: esse antigo entendimento somente prevalecia caso o desrespeito não implicasse efetivo aumento da jornada obreira, por além das fronteiras legais pertinentes (por exemplo, trabalho diário de 8:00 às 16:00 horas, sem intervalo intrajornada). Caso o desrespeito ao intervalo implicasse efetiva extrapolação da jornada padrão obreira (por exemplo, trabalho diário de 8:00 às 17:00 horas, com apenas 30 minutos de intervalo - ou nenhum intervalo), a repercussão do desrespeito já importaria no pagamento do respectivo período como tempo extraordinário. Essa a visão dominante na ordem jurídica até julho de 1994. A Lei n. 8.923, de 27.7.1994, rompeu com esse entendimento tradicional e com o juízo de mera infração administrativa acobertado pelo Enunciado 88 do TST. É que o mencionado diploma, acrescentando o parágrafo 4º ao art. 71 da CLT, determinou a produção de efeitos remuneratórios também na situação específica de desrespeito a intervalos intrajornadas primitivamente não remunerados, independentemente de haver real acréscimo na jornada laborada."(destaquei)(Curso de Direito do Trabalho, LTr, 5ª edição, pág. 929).
Ressalto que tal entendimento não desconfigura a infração administrativa (Princípio da Incomunicabilidade das Instâncias) e que o mencionado Enunciado nº. 88 foi cancelado por meio da Resolução nº. 42, do Col. TST, de 17.02.1995.
Matéria pacificada nos termos da OJ 354, da SDI-1, do C. TST, in verbis:
"Possui natureza salarial a parcela prevista no art. 71, § 4º, da CLT, com redação introduzida pela Lei nº. 8.923, de 27 de julho de 1994, quando não concedido ou reduzido pelo empregador o intervalo mínimo intrajornada para repouso e alimentação, repercutindo, assim, no cálculo de outras parcelas salariais.".
Provejo.
Do "não reconhecimento à estabilidade de cipeiro"
A estabilidade assegurada pelo art. 10, II, "a", do ADCT, não constitui vantagem pessoal, mas garantia para as atividades dos membros da CIPA (TST, Súmula 339, II), justificando-se a conversão em indenização quando transcorrido o período estabilitário ou eventual incompatibilidade entre as partes não aconselhe a manutenção do vínculo, situações não constatadas in casu, senão vejamos:
a) Na data em que apresentada a reconvenção, a saber, 17.10.2008, não havia transcorrido o período estabilitário, que segundo o próprio reconvinte perduraria até 31.08.2009 (v. fls. 49 e 51);
b) Como muitíssimo bem observado pelo Juízo a quo, o consignado deu maior ênfase ao pedido de indenização substitutiva do que ao de reintegração. Não demonstrou qualquer esforço processual para ser reintegrado (v.g., pedido de antecipação de tutela); "requereu e obteve, no curso do processo, a liberação do FGTS e habilitação no programa do seguro-desemprego por alvará" e, finalmente, não buscou provar o alegado "desgaste de relacionamento" que, a seu juízo, desaconselharia a reintegração, não descrevendo na peça de reconvenção um fato concreto, sequer, que teria implicado tal "desgaste" . Tem-se, desse modo, que o pedido de reintegração foi deduzido por mera formalidade, numa vã tentativa de disfarçar o intuito de obtenção de vantagem pessoal. Aliás, a própria redação da alínea "c", do rol de pedidos de fl. 64 não leva a outra conclusão: "A priori, reintegração do Consignado à sua função, em virtude da estabilidade de cipeiro. Todavia, é mister ressaltar, com base no princípio da razoabilidade e no princípio da proteção do trabalhador, que reintegração ao posto de trabalho não é a medida mais plausível, uma vez que houve desgaste de relacionamento entre o Consignado e a empresa, não sendo, assim, uma media sadia à saúde física e mental do Consignado" (destaquei) (v. fl. 64).
Ora, se de acordo com o próprio postulante, o pedido de reintegração não é "mais plausível" do que o de indenização substitutiva, significa dizer que aquele não é o pedido principal. Neste rumo: "A estabilidade provisória do cipeiro visa a garantia de emprego do representante eleito pelos empregados, buscando a independência de sua atuação e afastando o risco de represália por parte do empregador em decorrência do exercício do cargo. O fato de o trabalhador haver efetuado o pedido de reintegração apenas de forma alternativa, deixa evidente que não teve intenção de retornar às suas atividades junto à ré" (TRT 9ª R. - ACO 00554-2007-195-09-00-8 - Relª Sueli Gil El Rafihi - J. 09.09.2008).
O fundamento acima, por si só, é bastante para afastar a pretensão autoral.
Improvejo.
DO RECURSO DA UNIÃO
Reconhecida a natureza salarial da parcela decorrente da supressão parcial do intervalo intrajornada, nos termos da fundamentação supra, resta devida a integração de tal parcela à base de cálculo da contribuição previdenciária devida.
Provejo.
Com essas considerações, nego provimento ao recurso da reclamada e provejo parcialmente o apelo do reclamante para acrescer à condenação o pagamento do salário-hora por dia de supressão parcial do intervalo intrajornada, acrescido do adicional de 60%, no período compreendido entre 17.10.2003 e 31.03.2007, com repercussões em aviso prévio, gratificações natalinas, férias + 1/3, repouso semanal remunerado e depósitos fundiários. Ainda dou provimento ao apelo da UNIÃO para determinar a integração da referida parcela decorrente da supressão parcial do intervalo intrajornada à base de cálculo da contribuição previdenciária devida. Para os fins do §3º, do art. 832, da CLT, defino como de natureza salarial a parcela decorrente da supressão parcial do intervalo intrajornada e as diferenças oriundas de suas repercussões sobre 13ºs salários, férias + 1/3 e repouso semanal remunerado. Ao acréscimo condenatório, arbitro o importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
ACORDAM os Srs. Desembargadores da 1ª Turma do E. Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso da reclamada, por unanimidade, dar provimento parcial ao recurso do reclamante para acrescer à condenação o pagamento do salário-hora por dia de supressão parcial do intervalo intrajornada, acrescido do adicional de 60%, no período compreendido entre 17.10.2003 e 31.03.2007, com repercussões em aviso prévio, gratificações natalinas, férias + 1/3, repouso semanal remunerado e depósitos fundiários, bem assim, por unanimidade, dar provimento ao apelo da UNIÃO para determinar a integração da parcela decorrente da supressão parcial do intervalo intrajornada à base de cálculo da contribuição previdenciária devida. Para os fins do §3º, do art. 832, da CLT, define-se como de natureza salarial a parcela decorrente da supressão parcial do intervalo intrajornada e as respectivas incidências sobre gratificações natalinas, férias + 1/3 e repouso semanal remunerado. Ao acréscimo, arbitra-se R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Recife, 10 de junho de 2010.
DINAH FIGUEIRÊDO BERNARDO
Desembargadora Relatora
JURID - Direito do trabalho. Redução do intervalo intrajornada. [05/07/10] - Jurisprudência
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