Anúncios


terça-feira, 13 de abril de 2010

JURID - Apelação criminal. Corrupção ativa. Provas documentais. [13/04/10] - Jurisprudência


Penal e processo penal. Apelação criminal. Corrupção ativa. Provas documentais e orais. Comprovação da materialidade.
MBA Direito Comercial - Centro Hermes FGV

Tribunal Regional Federal - TRF2ªR

APELACAO CRIMINAL - 6573 2004.50.02.001198-3

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ABEL GOMES

APELANTE: EVANDRO WAN DE POL

ADVOGADO: GILSON BENTO DE OLIVEIRA (MG072277)

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

ORIGEM: 2 VARA JUSTIÇA FEDERAL CACHOEIRO DE ITAPEM/ES (200450020011983)

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CORRUPÇÃO ATIVA. PROVAS DOCUMENTAIS E ORAIS. COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA. MAUS ANTECEDENTES. AUMENTO DA PENA-BASE. VALOR DO DIA-MULTA. ADEQUAÇÃO À EFETIVA SITUAÇÃO ECONÔMICA DO ACUSADO. REDUÇÃO.

I - O crime de corrupção ativa visa à proteção da moralidade da Administração Pública e o regular desempenho de suas funções, coibindo a atuação externa do particular que possa promover a corrupção no âmbito da Administração. Trata-se de crime formal, que se consuma com a simples oferta ou promessa da vantagem indevida ao funcionário público, independentemente da aceitação deste último, mas a fim de determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício.

II - Excetuada a palavra do próprio acusado, as provas documentais e orais são uníssonas e apontam no sentido do oferecimento de vantagem indevida pelo acusado ao policial rodoviário federal, para que este liberasse ônibus apreendido, o qual circulava com licença vencida.

III - Os depoimentos do policial para o qual foi feita a oferta de vantagem e do servidor público federal que a ouviu em parte são perfeitamente válidos como prova. Os atos praticados pelos policiais, além de dotados de fé pública e possuírem presunção iuris tantum de veracidade, retratam o fato tal como aconteceu. Tais depoimentos somente não seriam válidos se ficasse demonstrado algum interesse pessoal ou qualquer arbitrariedade que pudesse comprometer a veracidade deles, o que não se verificou no caso concreto.

III - A menção aos antecedentes para fins de fixação de pena-base acima do mínimo legal em nada viola o ordenamento jurídico, já que são considerados para a formação de um juízo concreto a respeito da situação pessoal do acusado, que revela um contexto de envolvimento com outras passagens pela Justiça criminal, o que não pode ser tratado como se nada tivesse ocorrido, ou como se o indivíduo estivesse naquela mesma situação de quem nunca se envolveu em episódios delituosos, sob pena de se desigualar pessoas em situações completamente distintas à vista de seus antecedentes, o que seria de todo injusto. É, aliás, por essa razão, que as leis penais prevêem escalas de penas cominadas entre limites mínimos e máximos, exatamente para que o aplicador da lei possa, à vista das características diferentes de cada um, atribuir-lhes as penas compatíveis.

IV - O valor do dia-multa deve ser estabelecido de acordo com a situação econômica atual do condenado. O fato de ser empresário à época dos fatos - sendo certo que sua atividade foi proibida pelo órgão fiscalizador correspondente - não tem o condão de, por si só, determinar o valor de cada dia-multa em um salário-mínimo. Redução do valor.

V - Recurso parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os presentes autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os membros da Primeira Turma Especializada do Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.

Rio de Janeiro, 3 de março de 2010 (data do julgamento).

ABEL GOMES

Desembargador Federal
Relator

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta (fl. 357) por EVANDRO WAN DE POL, visando à reforma da sentença (fls. 347/353), publicada em Secretaria em 22/09/2008 (fl. 354), proferida pela Dra. LUCIANA CUNHA VILLAR, Juíza Federal da 2ª Vara de Cachoeiro de Itapemirim/ES, que o condenou à pena de 04 (quatro) anos de reclusão e ao pagamento de 60 (sessenta) dias-multa, no valor unitário de um salário-mínimo, pela prática do crime previsto no art. 333 do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, nos termos do art. 44 do CP.

A denúncia, recebida em 14/02/2006 (fl. 150), foi oferecida (fls. 03/05) em face do ora apelante, porque teria oferecido ao policial rodoviário federal HOARINGS MOREIRA ADAME, por telefone, em 14/10/2004, vantagem indevida com o intuito de que liberasse veículo interceptado, de propriedade da empresa EWP VIAGENS LTDA, da titularidade do acusado, conduzido com autorização da ANTT vencida. Por isso, foi incurso nas penas do art. 333 do Código Penal.

Nas razões recursais (fls. 358/362), o apelante aduz, em apertada síntese, que as provas não são suficientes para a condenação. Requereu a absolvição e, subsidiariamente, a redução das penas aplicadas.

Em contrarrazões (fls. 366/373) e no parecer lançado pelo Procurador Regional da República Dr. ARTUR DE BRITO GUEIROS SOUZA, o Ministério Público Federal pleiteou o não provimento do recurso.

Observo, por fim, com fulcro no art. 251 do CPP, que a prescrição da pretensão punitiva estatal, pela pena em concreto, ocorrerá em 21/09/2016.

À douta revisão.

Rio de Janeiro, 28 de agosto de 2009.

VOTO

1. Admissibilidade

O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade de modo que deve ser conhecido.

2. Mérito

O crime de corrupção ativa visa à proteção da moralidade da Administração Pública e o regular desempenho de suas funções , coibindo a atuação externa do particular que possa promover a corrupção no âmbito da Administração. Trata-se de crime formal, que se consuma com a simples oferta ou promessa da vantagem indevida ao funcionário público, independentemente da aceitação deste último, mas a fim de determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício.

No caso concreto, excetuada a palavra do próprio acusado, as provas documentais e orais são uníssonas e apontam no sentido do oferecimento de vantagem indevida pelo acusado ao policial, para que este liberasse o ônibus apreendido na fiscalização de rotina.

A fiscalização e a autuação da sociedade EWP VIAGENS LTDA. estão documentadas às fls. 25/26, não pairando nenhuma controvérsia a esse respeito. As provas orais são unânimes nesse sentido, sendo que o próprio acusado confirma a existência da diligência policial (fls. 84/85 e 200), corroborado pelo motorista (fls. 12/13 e 262/263) e demais testemunhas (fls. 09/11, 81/83, 224/225, 288/289).

Também não há dúvidas de que a empresa era gerenciada pelo acusado, seu sócio majoritário (cópia do contrato social às fls. 103/105), sendo a firma inclusive denominada EVANDRO TUR (fls. 28/29).

É certo, ademais, que o acusado fez ligações para o policial rodoviário federal, como está documentado pelo ofício da TELEMAR, especificamente à fl. 131. Em seus interrogatórios (fls. 84/85 e 200), o acusado confirma as ligações telefônicas, assim como o policial rodoviário federal (fls. 09/11 e 224/225).

Conforme devidamente analisado na sentença, o policial HOARINGS MOREIRA ADAME afirmou em seus depoimentos, tanto em sede policial (fls. 09/11), quanto em Juízo (fls. 224/225), que o acusado ofereceu-lhe dinheiro, verbis:

"QUE pelo que lembra no oferecimento o réu falou em valores; que na primeira vez falou um certo valor, depois aumentou o preço e por último perguntou o que a testemunha queria para fazer o que estava pedindo"

A afirmativa do policial foi confirmada pela testemunha PAULO HENRIQUE SIMÕES DIAS, que à época dos fatos era Oficial de Gabinete do Juízo da 1a. Vara Federal de Juiz de Fora. Depreende-se dos seus depoimentos, prestados em sede policial (fls. 129/129v) e em Juízo (fls. 288/289), que PAULO HENRIQUE foi contatado por ligação telefônica do policial rodoviário federal, comunicando que tinha abordado um ônibus e que lhe havia sido apresentada pelo motorista a cópia de uma decisão proferida pelo Juiz Federal MARCELO MOTTA, deferindo liminar. O policial suspeitou da falsidade da cópia da decisão porque o fundamento estava em contradição com o dispositivo. A testemunha pediu que o policial ligasse em alguns minutos, a fim de que pudesse verificar o verdadeiro teor da decisão.

Na segunda ligação, a testemunha confirmou que a decisão tinha sido adulterada e, durante esse segundo contato telefônico, o policial pediu que aguardasse porque estava recebendo ligação pelo celular do proprietário da empresa e, em seguida, encostou o telefone celular no telefone fixo, de maneira que a testemunha pôde ouvir o interlocutor dizendo: "o que poderia fazer por ele" e "o que queria para ajudá-lo".

Quanto à falsidade da aludida cópia de decisão judicial, ressalto que houve o arquivamento do inquérito policial, conforme decisão de fls. 150 e promoção de arquivamento de fl. 149.

Vê-se, portanto, que o depoimento de PAULO HENRIQUE confirma o de HOARINGS MOREIRA, narrando a parte da conversa em que o acusado ofereceu vantagem ao policial, para que liberasse o veículo apreendido.

As frases ouvidas pela testemunha PAULO HENRIQUE retratam apenas um trecho do diálogo em que houve o oferecimento da vantagem indevida pelo acusado, mesmo porque foram duas as ligações efetuadas com tal desiderato. Como dito acima, HOARINGS disse que o acusado fez proposta em valores, culminando com as frases ouvida por PAULO HENRIQUE, inequívocas no sentido de que o acusado pretendia dar vantagens ao policial se este o ajudasse.

Afasto, portanto, a alegação de que as frases ouvidas foram vagas e imprecisas. A meu ver, elas não apenas confirmam a afirmação do policial de que lhe foi oferecida propina, como retratam o evidente oferecimento da vantagem que HOARINGS quisesse para liberar o veículo apreendido.

E, em que pese a tentativa da defesa de infirmar a credibilidade do depoimento do policial e do servidor público federal, entendo que não há como dar guarida à tese. É que nada foi apontado, de concreto, que pudesse demonstrar que tais depoimentos não são fidedignos ou não merecedores de crédito.

Friso que o depoimento do policial para o qual foi oferecida a vantagem é perfeitamente válido como prova. Os atos praticados pelos policiais, além de dotados de fé pública e possuírem presunção iuris tantum de veracidade, retratam as circunstâncias do fato como ele aconteceu.

Tais depoimentos somente não seriam válidos se ficasse demonstrado algum interesse pessoal ou qualquer arbitrariedade que pudesse comprometer a veracidade deles, o que não se verificou no caso concreto. Tampouco o acusado foi capaz de indicar algum motivo para que as testemunhas tivessem algum interesse pessoal na causa. Nesse sentido é o entendimento do E. Supremo Tribunal Federal, consoante excertos abaixo transcritos:

"EMENTA: - PROCESSUAL PENAL. PENAL. TESTEMUNHA POLICIAL. PROVA: EXAME. I. - O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que não há irregularidade no fato de o policial que participou das diligências ser ouvido como testemunha. Ademais, o só fato de a testemunha ser policial não revela suspeição ou impedimento. II. - Não é admissível, no processo de habeas corpus, o exame aprofundado da prova. III. - H.C. indeferido." (HC 76557 / RJ - RIO DE JANEIRO - Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO - Rel. Acórdão Min. CARLOS VELLOSO - Julgamento: 04/08/1998 - Órgão Julgador: Segunda Turma - Publicação: DJ de 02-02-01, p. 073);

"EMENTA: HABEAS CORPUS - PRISÃO EM FLAGRANTE - ALEGAÇÃO DE VÍCIO FORMAL - NULIDADE - INEXISTÊNCIA - PRETENDIDA REPERCUSSÃO SOBRE O PROCESSO E A CONDENAÇÃO PENAIS - INOCORRÊNCIA - REEXAME DE PROVA - INVIABILIDADE - TESTEMUNHO PRESTADO POR POLICIAIS - VALIDADE - PEDIDO INDEFERIDO. IRREGULARIDADE FORMAL DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE - INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO SOBRE O SUBSEQÜENTE PROCESSO PENAL DE CONDENAÇÃO. - (...) VALIDADE DO DEPOIMENTO TESTEMUNHAL DE AGENTES POLICIAIS. - O valor do depoimento testemunhal de servidores policiais - especialmente quando prestado em juízo, sob a garantia do contraditório - reveste-se de inquestionável eficácia probatória, não se podendo desqualificá-lo pelo só fato de emanar de agentes estatais incumbidos, por dever de ofício, da repressão penal. - O depoimento testemunhal do agente policial somente não terá valor, quando se evidenciar que esse servidor do Estado, por revelar interesse particular na investigação penal, age facciosamente ou quando se demonstrar - tal como ocorre com as demais testemunhas - que as suas declarações não encontram suporte e nem se harmonizam com outros elementos probatórios idôneos. Doutrina e jurisprudência..." (HC 73518 / SP - SAO PAULO - Relator(a): Min. CELSO DE MELLO - Órgão Julgador: Primeira Turma - Publicação: DJ de 18-10-96, p. 39846).

Ademais, os depoimentos do policial e do servidor foram prestados em Juízo sob o crivo do contraditório e com prestação do compromisso de dizer a verdade, assim como ocorre com qualquer outra testemunha.

Logo, referidos depoimentos, plenamente admitidos como prova, foram coerentes e uníssonos com o conjunto probatório, comprovando a materialidade e autoria delitiva de EVANDRO WAN DE POL.

Portanto, a versão do acusado, além de isolada do conjunto probatório, não merece credibilidade. Ele era proprietário da empresa que teve o ônibus apreendido; fez ligações para o celular do policial rodoviário federal responsável pela diligência; esse policial, sem nenhuma motivação pessoal constante dos autos, afirma que o acusado lhe ofereceu propina; servidor público federal ouviu trecho da conversa entre o acusado e o policial, na qual aquele realmente oferece o que o policial quiser para ajudá-lo; enfim, é patente a existência do crime e sua autoria, razão pela qual deve ser mantida a condenação.

A pena também foi aplicada fundamentadamente em elementos concretos extraídos dos autos.

O acusado ostenta maus antecedentes (fls. 296/297), levados em conta pelo Juízo a quo como elementos desfavoráveis na personalidade e na conduta social.

De todo modo, a menção aos antecedentes para fins de fixação de pena-base acima do mínimo legal em nada viola o ordenamento jurídico, já que são considerados para a formação de um juízo concreto a respeito da situação pessoal do acusado, que revela um contexto de envolvimento com outras passagens pela Justiça criminal, o que não pode ser tratado como se nada tivesse ocorrido, ou como se o indivíduo estivesse naquela mesma situação de quem nunca se envolveu em episódios delituosos, sob pena de se desigualar pessoas em situações completamente distintas à vista de seus antecedentes, o que seria de todo injusto. É, aliás, por essa razão, que as leis penais prevêem escalas de penas cominadas entre limites mínimos e máximos, exatamente para que o aplicador da lei possa, à vista das características diferentes de cada um, atribuir-lhes as penas compatíveis.

Não fosse toda essa dinâmica a respeito dos antecedentes, é preciso não perder de vista que, mesmo que se abstivesse de a eles fazer referência como passagens delituosas, ainda restaria a consideração de que, ao menos, como demonstrativo de conduta social afastada do eixo da legalidade que se espera da vida em comunidade, as passagens por episódios de cunho criminal, contidas nas anotações de fls. 296/297 devem ser levadas em conta na hora da fixação da pena, o que bem fez o Juízo monocrático.

Todavia, o mesmo fato não pode servir para determinar o aumento por duas circunstâncias judiciais, como foi feito na sentença.

A fim de observar proporcionalidade entre a incidência dessa única circunstância judicial desfavorável (maus antecedentes) e a cominação da pena abstratamente ao crime (2 a 12 anos de reclusão e multa), fixo a pena-base em 03 (três) anos e 8 (oito) meses de reclusão.

A pena de multa definitiva deverá ficar em 60 (sessenta) dias-multa, tal como implementado na sentença. Embora devesse ter sido colocada em quantidade superior, a fim de guardar proporcionalidade entre o mínimo (10) e o máximo (360) previsto no art. 49 do CP, não posso fixá-la em patamar superior ao estabelecido na sentença, sob pena de incorrer na vedada reformatio in pejus, uma vez que o recurso é exclusivo da defesa.

Ausentes agravantes, atenuantes, causas de aumento ou de diminuição, torno definitiva a pena acima aplicada.

O valor do dia-multa deve sofrer alteração. Não obstante as considerações de que o acusado fosse empresário à época dos fatos, as suas alegações de que atualmente não goza de boa situação financeira foram parcialmente corroboradas pelo depoimento de HOARINGS, que teve conhecimento de que a ANTT proibiu que a empresa do acusado fizesse transporte de passageiros pelo período de três anos. Além disso, em seu indiciamento, o acusado declarou receber remuneração mensal de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), razão pela qual, mesmo à época, o valor de um salário-mínimo para cada dia-multa, a meu ver, já se mostraria incompatível com a situação econômica do acusado.

Destarte, fixo o valor unitário do dia-multa em 1/10 (um décimo) do salário-mínimo.

Mantenho a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária. Não obstante, reformo a sentença quanto ao valor da prestação pecuniária e determino que a mesma seja especificada pelo Juízo da Execução, que terá melhores condições de avaliar a situação econômica do acusado quando do efetivo pagamento.

3. Conclusão

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso.

É como voto.





JURID - Apelação criminal. Corrupção ativa. Provas documentais. [13/04/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário