Anúncios


terça-feira, 13 de outubro de 2009

JURID - Não concessão de HC a devedor de obrigação alimentícia. [13/10/09] - Jurisprudência


Não concessão de ordem de habeas corpus a devedor voluntário e inescusável de obrigação alimentícia na Justiça do Trabalho.
Obras jurídicas digitalizadas, por um preço menor que as obras impressas. Acesse e conheça as vantagens de ter uma Biblioteca Digital!


Tribunal Regional do Trabalho - TRT 3ª Região.

Processo: 01079-2009-000-03-00-6 HC

Data de Publicação: 18/09/2009

Órgão Julgador: Primeira Turma

Juiz Relator: Des. Manuel Candido Rodrigues

IMPETRANTE: JOAQUIM DIMAS GONÇALVES

PACIENTE: CLEVERSON DOS SANTOS PIRES

IMPETRADO: MM. JUIZ DA 37ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE

EMENTA: NÃO CONCESSÃO DE ORDEM DE HABEAS CORPUS A DEVEDOR VOLUNTÁRIO E INESCUSÁVEL DE OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA NA JUSTIÇA DO TRABALHO. Representando o crédito trabalhista espécie de crédito de natureza alimentícia, - à semelhança da pensão alimentícia-, este merece a atuação efetiva da função jurisdicional, inclusive, com medida coercitiva, já que expressamente autorizada pela Lex Legum, como forma de garantir a sua satisfação (e, em última análise, o próprio direito à sobrevivência do trabalhador). Vale lembrar que, se permanece inconteste a possibilidade de prisão civil do devedor de pensão alimentícia, com muito mais razão esta se faz imperiosa, no caso dos créditos trabalhistas, por força da natureza transindividual do direito que, nestes casos, geralmente, a medida coercitiva visa assegurar. Raciocínio inverso, que impedisse a incidência da constrição de liberdade, em caso de devedor voluntário e inescusável de créditos trabalhistas, levaria à inviabilidade de sua execução - e, via de conseqüência, à desmoralização do próprio e dogmático princípio constitucional da efetividade da função jurisdicional e da própria dignidade da Justiça.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, decide-se:

RELATÓRIO

Cuidam os autos de Habeas Corpus impetrado por JOAQUIM DIMAS GONÇALVES, em favor de CLEVERSON DOS SANTOS PIRES, com pedido liminar de expedição de ordem de salvo conduto, em face da iminência de este sofrer constrangimento ilegal e abusivo, em seu direito de ir e vir, por ato do MM. Juiz da 37ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.

Com a inicial (f. 02/07), vieram o contrato social (f. 08/11) e os documentos de f. 12/13.

Distribuído o feito a este Relator, foi denegada a liminar, pela decisão da f. 13-v.

Solicitadas as informações à autoridade apontada, como coatora, esta informou, às f. 16/18, que há razões, para adoção da medida de coerção - uma vez que, tendo adjudicado o bem penhorado, o reclamante espera, há mais de três anos, a satisfação de seu crédito, que tem sido obstado pela reclamada.

Remetidos os autos à d. Procuradoria Regional do Trabalho, esta manifestou-se, por meio do parecer de f. 20/22, da lavra da Drª. Júnia Castelar Savaget, opinando pela concessão da ordem - com a ressalva de seu entendimento, porém, em sentido contrário.

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Conhece-se do Habeas Corpus, porquanto observados os requisitos de sua admissibilidade para o exercício da presente Ação constitucional.

MÉRITO

O paciente reconhece sua condição de depositário dos bens penhorados, nos autos do processo 01486-2006-137-03-00-5, e assume que não cumpriu sua obrigação de entregá-los, alegando, apenas, que não o fez, porque estes são objeto de alienação pelo PROGER do Banco do Brasil (Programa de Geração de Empregos). Indigna-se, desde que, mesmo assim, o Juiz da 37ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, arbitrariamente, acabou decretando sua prisão civil.

Acrescenta que, "independente dos motivos que o levaram ao não cumprimento da execução trabalhista" (f. 03 - os quais não são detalhados), sua prisão não poderia ser levada a efeito, em virtude da explícita e recente manifestação da Corte Suprema, em dezembro de 2008, no julgamento dos RE 349703 e 466343 e do HC 87585, no sentido de não mais se admitir a prisão civil do depositário infiel, estabelecida no artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal, por encampação do Pacto de São José da Costa Rica - tratado de direitos humanos, ratificado pelo Brasil, e introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, em 1992 (permitindo-se, apenas, a prisão por dívida, no caso do devedor voluntário e inescusável de alimentos).

Por tais razões, pugna pelo recolhimento do mandado de prisão expedido, liminarmente, e pede a concessão definitiva do salvo-conduto de liberdade.

Impende ressaltar, primeiramente, que, pela alienação fiduciária em garantia, o adquirente, devedor fiduciário, transfere ao credor - instituição financeira que lhe concedeu o financiamento para a aquisição do bem - o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor, possuidor direto e depositário, com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem, de acordo com a lei civil e penal. (Artigo 66, da Lei nº 4.728/65).

Assim, mesmo que a propriedade (resolúvel) se concentre, noutras mãos, está o possuidor obrigado, contratualmente, a adimplir o contrato de financiamento, firmado com a instituição financeira. Dessa forma, é plenamente possível que a penhora recaia sobre tal bem, cuja responsabilidade pelo pagamento é do mesmo devedor nos autos do processo em que o bem é penhorado.

Portanto, a alegação de que a decretação da prisão é arbitrária, por este motivo, não subsiste - porquanto, é do mesmo devedor a obrigação, tanto de pagar o bem adquirido, e que se encontra alienado, quanto de pagar o valor a que foi condenado, judicialmente.

Até o momento, o empregador não adimpliu, nem um nem outro. E, pelo que se viu, nem tem intenções de quitar seus débitos, para com o trabalhador, nos autos da Ação trabalhista, em trâmite na 37ª Vara do Trabalho, muito menos se importa!, pois recorre a argumentos que apenas demonstram seu propósito de evadir-se à sua obrigação que é pura e simples: pagar o que o Estado reconheceu, como sendo devido a alguém que lhe prestou serviços, que cumpriu inteiramente sua parte na avença, mesmo sendo o pólo hipossuficiente da relação.

Nem mesmo vinga a alegação da mudança de orientação do ordenamento jurídico brasileiro, no que toca à prisão do depositário infiel - porquanto, in casu, não se cuida dessa hipótese, como se verá mais adiante.

É cediço que a jurisprudência da Suprema Corte passou a entender pela insubsistência da previsão, no ordenamento jurídico brasileiro, da prisão civil por dívida do depositário infiel, qualquer que seja a natureza do depósito, admitindo-a, apenas, no caso de devedor voluntário e inescusável de obrigação alimentícia. É o que considerou, no julgamento dos RE 349703 e 466343 e do HC 87585: os tratados internacionais de direitos humanos, subscritos pelo país, como o Pacto de São José da Costa Rica, possuem status de norma supralegal, que torna inaplicável a legislação infraconstitucional com eles conflitante.

Assim, considerou-se que a prisão civil do devedor fiduciante, constituído depositário, em virtude do contrato de alienação fiduciária (RE 349703 e 466343) viola o princípio da proporcionalidade, visto haver outros procedimentos à disposição do credor fiduciário, para a garantia do crédito. No mesmo sentido, foi o que se entendeu para o caso do depositário, assim constituído por força de Ação de Depósito, a quem coube a guarda de grande quantidade de sacas de arroz (HC 87585), situação que o Relator Ministro Marco Aurélio reputou bastante aproximada da alienação fiduciária.

Como se viu, o entendimento do Pleno do STF foi manifestado em Ações em que se discutia a prisão de depositário infiel, em casos de dívidas decorrentes de direito pessoal de uma parte, equivalente a uma prestação a que a outra parte se obrigou, e não adimpliu, nas condições contratualmente estabelecidas. Cuidava-se, lá, de direitos disponíveis, objeto de contratos mercantis, firmados por partes, com a mesma liberdade negocial - partes iguais, sem relação de hipossuficiência -, as quais poderiam contratar, com outros, ou mesmo deixar de contratar, se lhes parecesse oportunamente mais interessante.

O caso dos créditos trabalhistas, resultante dos contratos de trabalho, rogata venia, em nada se assemelha aos direitos decorrentes de um contrato mercantil, em que ambas as partes, livremente, negociam bens traduzíveis em pecúnia, geralmente, pelo valor que lhes é conveniente. O crédito trabalhista, já deduzido da mais-valia que ao trabalhador é sonegada, é a parcela que lhe cabe, como fruto de uma prestação de trabalho, cujo valor social é reconhecido, constitucionalmente, como um dos fundamentos da própria República Federativa do Brasil (art 1º., inciso IV) - e por meio do qual se manifesta a própria dignidade humana. A propósito, escreveu António Pedro Barbas Homem, que "a dignidade humana antecede (...) a justiça e o direito, ou, dito de outro modo, constitui o seu fundamento. O Estado funda-se na dignidade do homem, quer no sentido ontológico, quer no sentido institucional - o exercício do poder pelos órgãos do Estado e pelos indivíduos encontra nesta descrição o seu sentido" (O Justo e o Injusto, Associação Acadêmica da Faculdade Direito, Lisboa, 2001, p. 50).

Reforçando, explicitando e especificando, num plano constitucional inteiramente ajustado à presente temática, sobressai o art. 100 da CF, em seu parágrafo 1º., tratando de créditos privilegiados, quando declara, textualmente, "os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado".

É por meio do trabalho digno que o homem comum, que não explora, mas é explorado pelo capital, garante a sua sobrevivência e a de sua família. Furtando-se à obrigação de pagar a contraprestação devida pela mão-de-obra contratada, o empregador está, diretamente, condenando ao perecimento, o maior bem daquele que, outrora, lhe garantiu a própria integridade e a de todos os seus.

Assim, vê-se que os casos tratam de valores diametralmente díspares - porquanto, lá, há direitos meramente patrimoniais, em discussão, créditos oriundos de relações mercantis; e, aqui, créditos que garantem o próprio alimento, direito humano fundamental, suporte do direito primacial à vida - que, indubitavelmente, deve prevalecer, se confrontado com o direito à liberdade, (até porque esta, nem mesmo existirá, se aquela perecer).

Não foi por outra razão que o Supremo Tribunal Federal entendeu pela manutenção da prisão civil do devedor de prestação alimentícia, a exemplo da pensão alimentícia e dos créditos trabalhistas.

Vislumbra-se, pois, que se está diante da hipótese em que, tanto à luz da Constituição Federal e dos Pactos Internacionais de Direitos Humanos, quanto do novel entendimento da Suprema Corte, a prisão civil é admitida: a do devedor voluntário e inescusável de obrigação alimentícia.

Veja-se que o texto da Constituição Federal fala em "responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia" (artigo 5º, inciso LXVII), não se limitando a excepcionar a possibilidade de prisão civil para o devedor de pensão alimentícia.

Representando o crédito trabalhista espécie de crédito de natureza alimentícia - à semelhança da pensão alimentícia -, este merece a atuação efetiva da função jurisdicional, inclusive, com medida coercitiva, já que expressamente autorizada pela Lex Legum, como forma de garantir a sua satisfação (e, em última análise, o próprio direito à sobrevivência do trabalhador).

Vale lembrar que, se permanece inconteste a possibilidade de prisão civil do devedor de pensão alimentícia, com muito mais razão esta se faz imperiosa, no caso dos créditos trabalhistas, por força da natureza transindividual do direito que, nestes casos, a medida coercitiva, geralmente, visa assegurar. Afinal, o salário do trabalhador é, não raro, a única fonte de recursos que garantem a sobrevivência de famílias inteiras - de forma que, aqui, a atuação jurisdicional, firme e impositiva, faz-se urgente, em razão da maior amplitude das implicações sociais e econômicas do inadimplemento do devedor de prestação alimentícia.

Raciocínio inverso, que impedisse a incidência da constrição de liberdade, em caso devedor voluntário e inescusável de créditos trabalhistas (como prestações alimentícias que são), levaria à inviabilidade de sua execução e, via de conseqüência, à perda de sentido de todo o funcionamento da máquina judiciária; e o que é pior, à própria desmoralização e descrédito da Justiça do Trabalho, perante os jurisdicionados, que dela tanto necessitam. Por-se-ia em xeque o princípio constitucional da efetividade da função jurisdicional e a própria dignidade da Justiça. É como se lê, ainda uma vez, na magistral lição de António Pedro Barbas Homem: "não basta apenas o poder de julgar; é necessário igualmente o poder de impor a decisão. O império é pressuposto da teorização da justiça" (idem, ibidem, p. 39).

Por tais motivos, entende-se pela imprescindibilidade da medida constritiva, no caso em comento - a qual, longe de ser considerada sanção penal, deverá ser suspensa, tão logo seja cumprida a obrigação de que se esquiva o paciente.

Este, é o arraigado entendimento deste Relator.

FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,

O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Primeira Turma, preliminarmente, à unanimidade, conheceu da medida impetrada; por maioria de votos, denegou ao paciente a presente ordem de Habeas Corpus, vencido o Exmo. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto. Determinou imediata ciência desta decisão à autoridade judicial, reputada coatora, com remessa de cópia de seu inteiro teor.

Belo Horizonte, 14 de setembro de 2009.

MANUEL CÂNDIDO RODRIGUES
RELATOR




JURID - Não concessão de HC a devedor de obrigação alimentícia. [13/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário