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quinta-feira, 16 de julho de 2009

JURID - Recurso em sentido estrito. Decisão que rejeitou a exordial. [16/07/09] - Jurisprudência


Recurso em sentido estrito. Decisão que rejeitou a exordial acusatória. Cabimento de apelação criminal.

Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Dados do acórdão

Classe: Recurso Criminal

Processo: 2009.016304-8

Relator: Moacyr de Moraes Lima Filho

Data: 15/07/2009

Recurso Criminal n. 2009.016304-8, de São Miguel do Oeste

Relator: Des. Moacyr de Moraes Lima Filho

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - DECISÃO QUE REJEITOU A EXORDIAL ACUSATÓRIA - CABIMENTO DE APELAÇÃO CRIMINAL - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE - CONHECIMENTO DO RECURSO.

APROPRIAÇÃO INDÉBITA - FALTA DE JUSTA CAUSA - REJEIÇÃO DA DENÚNCIA - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - VALOR DO BEM APROPRIADO - REQUISITO QUE, ISOLADAMENTE, NÃO CONDUZ À ATIPICIDADE, EMBORA NÃO TENHA LAUDO DE AVALIAÇÃO COMPROVANDO O VALOR - INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA AQUILATAR-SE ACERCA DA PERSONALIDADE DO ACUSADO -INVIABILIZAÇÃO DA PRODUÇÃO DE PROVAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DE IGUALDADE ENTRE AS PARTES - DECISÃO CASSADA - RECURSO PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Criminal n. 2009.016304-8, da comarca de São Miguel do Oeste (Vara Criminal), em que é recorrente A Justiça, por seu Promotor, e recorrido Vitor Hugo Dias:

ACORDAM, em Terceira Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito, interposto pelo Ministério Público, inconformado com a sentença prolatada pelo Juízo da 2ª Vara da comarca São Miguel do Oeste, que extinguiu, com base no princípio da insignificância, a punibilidade de Vitor Hugo Dias, denunciado pela prática do delito descrito no art. 168, § 1º, III, do Código Penal.

Narra a denúncia que, no dia 24 de novembro de 2007, a vítima Jonas Tariga dirigiu-se até a estofaria Vitor Estofados, de propriedade do denunciado Vitor Hugo Dias, localizada na Rua Cassan Jurê, n. 146, centro, São Miguel do Oeste/SC, e contratou o serviço de conserto de um sofá, adiantando, inclusive, parte do pagamento da reforma, correspondente à quantia de R$ 75,00 (setenta e cinco reais).

Passados alguns meses, e depois de a vítima ter se dirigido inúmeras vezes até o estabelecimento comercial do denunciado, a fim de retirar o sofá, constatou que o denunciado não providenciou conserto e negou-se a restituir o bem, apropriando-se indevidamente de coisa alheia móvel que tinha posse ou detenção em razão de seu ofício (fls.I/II).

Nas razões de apelação, o Ministério Público pugna pela reforma da sentença que rejeitou a denúncia com base no princípio da insignificância, forte no art. 43, I, do Código de Processo Penal. Afirma que a simples aplicação do princípio, desconsiderando as demais circunstâncias que permeiam a prática delitiva e a conduta do autor do fato, servirá de estímulo à prática de novos delitos, levando o apelado e a própria sociedade a crer que, aquele que se apropria de coisa alheia móvel de que tinha posse ou detenção, em razão de seu ofício, não será nem sequer processado.

Sustenta que a conduta narrada na denúncia configura o crime previsto no art. 168, §1º, III, do Código Penal, independente do prejuízo causado. Assim, não se conforma com a interrupção prematura do processo, já que é impossível falar em insignificância quando se trata de um crime de apropriação indébita caracterizada, inclusive, por aumento de pena (fls. 29/31).

Contra-arrazoado o recurso (fls.37/39), os autos ascenderam a esta Superior Instância, e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do Dr. Jobél Braga de Araújo, manifesta-se pela conversão do julgamento em diligência, para que seja efetivada a intimação do recorrido Vitor Hugo Dias por edital. Caso não haja manifestação do acusado, seja lhe nomeado defensor dativo para a apresentação das contra-razões (fls. 47/49).

VOTO

1 Inicialmente, em que pese a manifestação da Procuradoria de Justiça, o recorrido encontra-se em lugar incerto e não sabido (fl. 34 verso). Logo, correta a decisão do Magistrado a quo que lhe nomeou defensor dativo para a apresentação de contra-razões.

2 Impende salientar que o meio processual adequado para pleitear a reforma da sentença que rejeitou a denúncia, com base no art. 43, I, do Código de Processo Penal, seria a apelação, na forma do art. 43 c/c o art. 593, II, do Código de Processo Penal.

Muito embora já tenha proferido voto em sentido contrário, após uma análise mais aprofundada da matéria, verifica-se a permissão de aplicação do princípio da fungibilidade recursal (art. 579 do CPP), possibilitando o conhecimento do recurso interposto. Primeiro, porque não se verifica má-fé do Ministério Público ao interpô-lo; segundo, porque não está configurado o erro grosseiro, uma vez que parte da doutrina entende cabível o recurso em sentido estrito contra decisão que rejeita a denúncia.

Julio Fabbrini Mirabete leciona que "da decisão que não recebe a denúncia ou a queixa cabe recurso em sentido estrito (art. 581, I). Quanto à rejeição, tem-se admitido também o mesmo recurso, mas já se entendido que cabe no caso apelação (art. 593, II)" (Código de processo penal interpretado. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 220).

No mesmo sentido doutrina Fernando Capez: "são hipóteses legais de cabimento de recurso em sentido estrito: a) da sentença que rejeitar a denúncia ou queixa" (Curso de processo penal, 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 450).

Guilherme de Souza Nucci, por sua vez, ensina que "o Código de Processo Penal usa fórmula diversa, prevendo recurso em sentido estrito, quando o magistrado rejeita a denúncia ou queixa e deixando de prever recurso para o recebimento" (Código de processo penal comentado. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 939).

Ada Pelegrini Grinover não destoa: "ainda, para os que admitem ser de mérito a decisão de rejeição porque o fato é atípico, haveria aí decisão definitiva stricto sensu. Aqui, não interessa entrar na análise dessa intrincada questão porque, em todas as hipóteses, cabível é o recurso em sentido estrito" (Recursos do processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais, et alii. 5. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 173)

Ademais, a divergência sobre o tema também é encontrada na jurisprudência, citando-se os precedentes que aceitam a fungibilidade recursal em caso análogo:

"RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - INTERPOSIÇÃO CONTRA DECISÃO QUE REJEITOU DENÚNCIA - INCONFORMISMO PREVISTO NO ART. 581, I, DO CPP - VIA ELEITA CORRETAMENTE ADEQUADA PARA A APRECIAÇÃO DA PRETENSÃO - PREFACIAL DE NÃO CONHECIMENTO ARGÜIDA EM CONTRA-RAZÕES AFASTADA" (TJSC, Recurso Criminal n. 2007.013903-4, de Xanxerê, rel. Des. Jorge Mussi, j em 28/8/2007).

No mesmo sentido: TJSC, Recurso criminal n. 2005.021517-0, de São José do Cedro, rel. Des. Irineu João da Silva, j. em 18/10/2005; TJSC, Recurso Criminal n. 2008.050015-7, de Cunha Porã, relª. Desª. Salete Silva Sommariva, j. em 9/10/2008; TJMT, RSE n. 100214/2007, da Capital, rel. Des. Cirio Miotto, j. em 2/6/2008, DJMT de 11/6/2008, p. 61; TJRS, RSE n. 70025151077, de Passo Fundo, rel. Des. Gaspar Marques Batista, j. em 16/10/2008, DOERS de 2/12/2008, p. 106, dentre outros.

Dessarte, possível a aplicação do princípio da fungibilidade no presente caso, conhecer do recurso, ainda que interposto pelo órgão do Ministério Público, uma vez que não se trata de erro grosseiro e muito menos de má-fé por parte do recorrente.

3 Especificamente sobre o tópico do recurso, com razão o órgão Ministerial quando pretende a não aplicação do princípio da insignificância neste momento processual, a fim de que seja possibilitado o devido processo legal - garantia de acusação e de defesa -, e que o acusado seja processado e julgado pela suposta prática do crime que lhe foi imputado - art. 168, § 1º, III, do Código Penal.

Narra a exordial acusatória:

"[...] que, no dia 24 de novembro de 2007, em horário incerto, a vítima Jonas Tariga se dirigiu até a estofaria Vitor Estofados, de propriedade do denunciado VITOR HUGO DIAS, localizada na Rua Cassan Jurê, 146, centro, nesta cidade, e contatou o serviço de conserto de um sofá, adiantando, inclusive, parte do pagamento do conserto, correspondente a quantia de R$ 75,00 (setenta e cinco reais).

"Ocorre que passados alguns meses, e depois de a vítima ter se dirigido inúmeras vezes até o estabelecimento comercial do denunciado VITOR a fim de retirar o sofá, constatou que este nao providenciou o conserto do sofá e se negou a restituir o bem, apropriando-se o denunciado, dessa forma, de coisa alheia móvel de que tinha posse ou detenção em razão de seu ofício" (fls. I/ II).

Tendo em vista que a denúncia foi oferecida em 18/6/2008 e foram conclusos ao MM. Juiz em 27/6/2008, aos 5/8/2008 o Ministério Público, por meio de petição, solicitou que o Magistrado a quo recebesse a denúncia (fl. 24).

Aos 15 de setembro de 2008, com base no art. 43, I, do Código de Processo Penal, a denúncia foi rejeitada ao argumento de que se trata de aplicação do princípio da insignificância, visto que não houve lesão ao bem jurídico tutelado (fls. 20/23).

Necessária, de início, uma digressão acerca dos elementos caracterizadores do princípio da insignificância, bem como da aferição de tais características.

Criado por Claus Roxin, o princípio da insignificância veio complementar a idéia de Hans Welzel, denominada princípio da adequação social e utilizada como regra de hermenêutica, segundo a qual uma conduta socialmente aceita e adequada não deveria ser considerada ilícita, ainda que proibida pela lei.

Para Welzel, a função da adequação social "consiste em recortar das palavras formais dos tipos aqueles acontecimentos da vida que materialmente a eles não pertencem e, em que, com isso, se consegue que o tipo seja realmente uma tipificação do injusto penal" (Direito Penal. Tradução de Afonso Celso Rezende, 2ª tiragem, Campinas: Romana, 2004. p. 109).

Recorrendo ao adágio romano minima non curat praetor (intervenção mínima), o princípio elaborado por Roxin afasta a tipicidade material do fato. Isto é, apesar de o fato praticado amoldar-se ao tipo penal (tipicidade formal), não chega a provocar uma ofensa relevante ao bem jurídico tutelado pela norma.

Maurício Antônio Ribeiro Lopes adverte:

"Ainda aqui, porém, convém advertir para a sua grande imprecisão, o que pode atingir gravemente a segurança jurídica. [...] Assim, a irrelevância ou insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente atingido, mas, especialmente, em relação ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida" (Princípios Políticos do Direito Penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 89/90).

Nada obstante, além da análise valorativa do bem apropriado indevidamente, deve-se averiguar a capacidade econômica da vítima e do acusado, o decréscimo das posses daquela em contrapartida com o acréscimo das posses deste, a ofensividade da conduta do agente, a possibilidade de a ação causar periculosidade social e a mensuração do grau de reprovabilidade da conduta, de modo a não salvaguardar condutas criminosas sob o manto da insignificância.

Na hipótese, a aplicação da teoria da insignificância da conduta, neste momento processual, não tem lugar, pois, além de não se ter notícia do valor do bem supostamente apropriado, não há nos autos elementos suficientes para se perquirir, de plano, eventual conduta que possa desabonar o agente ou sua personalidade, ou, ainda, sobre a sua capacidade financeira, as quais, se desfavoráveis, obstam a incidência da benesse.

Nesse sentido, já decidiu este egrégio Tribunal:

"RECURSO CRIMINAL - FURTO SIMPLES TENTADO - REJEIÇÃO DA DENÚNCIA - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - VALOR DA RES CORRESPONDENTE A 63% DO SALÁRIO MÍNIMO - REQUISITO QUE, ISOLADAMENTE, NÃO CONDUZ À ATIPICIDADE - INEXISTÊNCIA DE PROVAS NECESSÁRIAS A SE AQUILATAR ACERCA DA PERSONALIDADE E CONDUTA SOCIAL DA INDICIADA - RECURSO PROVIDO" (Recurso Criminal n. 2008.008214-7, de Joinville, deste Relator).

Especificamente sobre o delito, cita-se precedente do Tribunal paranaense:

"APROPRIAÇÃO INDÉBITA E ESTELIONATO. PROVA BASTANTE. CONDENAÇÃO MANTIDA DESCLASSIFICAÇÃO PARA A FIGURA PRIVILEGIADA NÃO CABIMENTO. DOSIMETRIA. ERRO ARITMÉTICO CORRIGIDO DE OFÍCIO. APELAÇÃO DESPROVIDA. As provas coligidas comprovaram o induzimento a erro das vítimas, mostrando-se presentes as elementares dos crimes de estelionato. Não cabe a pretendida desclassificação porque, é sabido, o pequeno valor do bem não se traduz, automaticamente, na aplicação do princípio da insignificância, porquanto se deve conjugar a importância do objeto material para a vítima, levando-se em consideração a sua condição econômica, bem como as circunstâncias e o resultado do crime, tudo de modo a determinar se houve relevante lesão jurídica" (Apelação Criminal n. 0411158-6, de Mandaguari, rel. Des. Rogério Coelho, DJPR de 4/4/2008, p. 238, sem grifos no orginal).

Tal princípio visa à conduta que, embora tipificada em lei, a sanção penal correspondente mostra-se desproporcional à ofensa cometida. Admitir sua aplicação em situações que fogem à fórmula proposta seria o mesmo que difundir a idéia de que o Poder Judiciário estaria chancelando a transgressão da norma penal. É a garantia da impunidade, incentivando o criminoso à prática de novos ilícitos penais, devendo-se, pois, evitar que a sua incidência seja banalizada.

Dessarte, o reconhecimento imediato do princípio da insignificância, no caso sub judice, pode comprometer a paz e a segurança social.

4 Ademais, a nova Lei Processual Penal, de fato, possibilita o julgamento antecipado - art. 397 do CPP. Porém, os autos do processo devem oferecer elementos suficientes para tanto.

Nesse norte, é a lição de Guilherme de Souza Nucci:

"Se o fato exposto pela acusação não é crime e a situação é, por demais, evidente, o juiz deveria ter rejeitado a denúncia ou queixa. Não o fez, abrindo-se a possibilidade de haver defesa prévia. Há de existir um sólido argumento ou uma prova documental segura para convencer o magistrado a visualizar uma situação de atipicidade, antes não detectada" (Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 719).

No caso, além de não ter laudo de avaliação do bem indevidamente apropriado, os autos carecem de prova firme e segura acerca da presença de certos vetores - tais como: a) predicados do acusado, apesar da comprovação de sua primariedade; b) mínima ofensividade do agente; c) nenhuma periculosidade social da ação; d) reduzíssimo grau de reprovabilidade da conduta; e) inexpressividade da lesão jurídica provocada - prova esta que seria produzida se oportunizada a devida instrução do processo.

Sobre o tema:

"Autor e réu deverão ter os mesmos direitos, mesmos ônus e mesmos deveres. 'Dentro das necessidades técnicas do processo, deve a lei propiciar a autor e réu uma atuação processual em plano de igualdade no processo, deve dar a ambas as partes análogas possibilidades de alegação e prova'" (FREDERICO MARQUES, Instituições de direito processual civil, 4. ed. P. 97, in FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 49).

Logo, considerando que à acusação foi impossibilitado o direito à produção da prova, cassa-se a decisão às fls. 20/23, a fim de que os autos retomem ao trâmite processual devido e cabível à espécie, o que se faz com fulcro no art. 5º, LV, da Constituição Federal de 1988.

Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso para determinar o devido processamento do feito e garantir o devido processo legal, não obstando, no futuro, a absolvição do acusado pelo mesmo fundamento, se comprovada a presença de todos os requisitos ensejadores da benesse.

DECISÃO

Ante o exposto, Terceira Câmara Criminal, por votação unânime, decidiu dar provimento ao recurso.

O julgamento, realizado no dia 9 de junho de 2009, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Torres Marques, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Roberto Lucas Pacheco. Lavrou parecer, pela douta Procuradoria Geral de Justiça, o Excelentíssimo Dr. Jobél Braga de Araújo.

Florianópolis, 10 de junho de 2009.

Moacyr de Moraes Lima Filho
Relator




JURID - Recurso em sentido estrito. Decisão que rejeitou a exordial. [16/07/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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