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terça-feira, 7 de julho de 2009

JURID - Excesso praticado por policiais militares. Manifestação. [07/07/09] - Jurisprudência


Responsabilidade civil. Excesso praticado por policiais militares na contenção de manifestação de vendedores ambulantes em local de grande movimento.

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. EXCESSO PRATICADO POR POLICIAIS MILITARES NA CONTENÇÃO DE MANIFESTAÇÃO DE VENDEDORES AMBULANTES EM LOCAL DE GRANDE MOVIMENTO. EXPLOSÃO DE BOMBA DE EFEITO MORAL PRÓXIMA AO DEMANDANTE, TERCEIRO ALHEIO À MANIFESTAÇÃO. DANO MORAL IN RE IPSA. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSORIA PÚBLICA. CONFUSÃO. CUSTAS PROCESSUAIS E TAXA JUDICIÁRIA. ISENÇÃO.

1. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. O ordenamento jurídico pátrio acolheu a responsabilidade objetiva da administração pública, lastreada na teoria do risco administrativo, a teor do disposto no artigo 37, § 6°, da Constituição Federal.

2. Situação fática em que policiais militares, para o fim de controlar manifestação de vendedores ambulantes no centro de Santa Maria/RS, utilizaram-se de força desproporcional, inclusive empregando balas de borracha e bombas de efeito moral em região de grande movimento, vindo a atingir terceiros alheios ao embate estabelecido. Dentre estes terceiros vitimados pela ação policial, justamente se encontrava o ora demandante, que, em razão da explosão de uma dessas bombas próxima à sua cabeça, teve sensível perda de audição no ouvido direito e prejuízos ao tratamento a que se submetia, para a cura de doença psiquiátrica (agorafobia e síndrome do pânico). Abuso de direito configurado. Dano moral in re ipsa.

3. QUANTUM INDENIZATÓRIO. O quantum indenizatório deve representar para a vítima uma satisfação capaz de amenizar de alguma forma o sofrimento impingido. A eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão para proporcionar tal satisfação em justa medida, de modo que não signifique um enriquecimento sem causa para a vítima e produza impacto bastante no causador do mal a fim de dissuadi-lo de novo atentado.

4. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. A Defensoria Pública do Estado não pode receber honorários que decorrem de condenação da Fazenda em causa patrocinada por Defensor Público, por configurar-se na hipótese, confusão entre credor e devedor.

5. Por outro lado, tem-se que o Estado goza de isenção do pagamento de emolumentos a escrivão que dele percebe vencimentos, consoante dispõe o parágrafo único, do art. 11, da Lei Estadual n.º 8.121/85, bem como da taxa judiciária, nos termos do artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.960/89.

DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.

Apelação Cível nº 70029050382

Nona Câmara Cível

Comarca de Santa Maria

EDUARDO BATISTA DE LIMA GERHARD
APELANTE

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, as eminentes Senhoras Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (Presidente e Revisora) e Des.ª Marilene Bonzanini Bernardi.

Porto Alegre, 10 de junho de 2009.

DES. ODONE SANGUINÉ,
Relator.

RELATÓRIO

Des. Odone Sanguiné (RELATOR)

1. Cuida-se de apelação cível interposta por EDUARDO BATISTA DE LIMA GERHARD contra sentença das fls. 70/71v que, nos autos da ação que move em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, julgou improcedente a demanda, condenando o demandante ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 500,00, verbas essas cuja exigibilidade restou suspensa, em virtude da concessão da AJG.

2. Em razões recursais (fls. 72/81), invoca a aplicação da Teoria do Risco Administrativo, nos termos do artigo 37, §6º, da CF/88. Assevera que a ação da Brigada Militar, ao utilizar bombas de efeito moral para dispersar tumulto que se instalara em razão de operação para apreensão de mercadorias junto aos camelôs do centro de Santa Maria, resultou em danos inegáveis ao demandante, que tivera perda auditiva e uma significativa piora de sua condição psicológica. Pondera que os agentes estatais deveriam ter sido cuidados na utilização de artifícios visando a resguardar a ordem publica, evitando que fosse atingido um transeunte que não possuía relação com o incidente. Destaca que a intervenção se dera numa das ruas mais movimentadas da cidade, gerando situação de pânico a todos os presentes. Afirma que o dano moral é inegável, dadas as sequelas advindas da explosão da referida bomba próxima à cabeça do requerente, fato esse reconhecido pelas testemunhas ouvidas em juízo. Discorre a respeito da possibilidade de fixação de honorários em prol da Defensoria Pública, a serem revertidos à FADEP, mormente ante a autonomia administrativa e financeira da Defensoria Pública. Assim, pede seja dado provimento ao apelo para julgar procedente a demanda.

3. Em contrarrazões (fls. 86/89), o Estado pugna pelo desprovimento do apelo, mormente ante a inexistência de prova do alegado excesso praticado pelos agentes policiais e do nexo de causalidade entre a ação e o prejuízo alegado.

4. Subiram os autos, sendo esses remetidos ao Ministério Público (fl. 93).

5. Em parecer, a Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do apelo (fls. 95/98).

6. Retornaram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTOS

Des. Odone Sanguiné (RELATOR)

Eminentes colegas:

7. Consoante narrado na inicial (fls.02/06), o demandante, que reside em Santa Maria/RS, sofre de agorafobia(1) com transtorno de síndrome do pânico e depressão, sendo que, em decorrência de seu estado psíquico, ficara meses sem sair de casa, em razão de suas crises.

Entretanto, no dia 13/11/2006 o demandante encorajou-se e saiu de casa acompanhado de seu vizinho, JOÃO DAMÁSIO DE OLIVEIRA, para ir até uma farmácia para retirar seus medicamentos. Então, quando se encontrava no Centro da cidade, deparou-se com um tumulto na via pública, envolvendo a Brigada Militar e camelôs que ali se encontravam. No meio do tumulto, muito próximo de sua cabeça, então explodiu uma bomba de efeito moral.

Em estado de choque, o requerente foi então encaminhado ao Pronto Socorro. Posteriormente, em razão da explosão, apurara-se que tivera perda auditiva do tipo neurossensorial de grau moderado no ouvido direito; afora isso, em razão do incidente, verificara-se que tivera um retrocesso em seu tratamento psiquiátrico, vindo a permanecer em casa por longo período.

Assim, em virtude dos danos causados em razão da conduta excessiva da Brigada Militar, relativamente à sua perda auditiva e à piora do seu estado psiquiátrico, ingressou com esta demanda, postulando indenização por danos morais.

8. Processado o feito, adveio então a sentença das fls. 70/71v, que, entendendo ser muito tênue o nexo causal entre a ação da Brigada Militar e o prejuízo alegado, julgou improcedente a demanda.

9. Inconformado, o demandante apelou, pedindo a procedência da demanda (fls. 72/81).

Examine-se.

10. Pois bem, inicialmente, cumpre destacar que o sistema jurídico brasileiro adota a responsabilidade patrimonial objetiva do Estado e das prestadoras de serviço público sob a forma da Teoria do Risco Administrativo. Tal assertiva encontra respaldo legal no art. 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil, in verbis: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

Abordando o tema, Maria Sylvia Zanella Di Pietro elucida que "essa doutrina baseia-se no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais: assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns membros da sociedade devem ser repartidos. Quando uma pessoa sofre um ônus maior do que o suportado pelas demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os encargos sociais; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado, utilizando recursos do erário público." (Direito Administrativo. 8. ed. São Paulo : Atlas, 1997. p. 412)

11. Para que incida a responsabilidade objetiva, em razão dos termos da norma constitucional em destaque, há necessidade de que o dano causado a terceiros seja provocado por agentes estatais nessa qualidade. É o que se depreende da pertinente lição de Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, págs. 560/562, Ed. Malheiros, 1994).

Estabelecidas as premissas para eventual imputação de responsabilidade civil do Estado, cabe a análise dos requisitos ensejadores do dever de indenizar, quais sejam: (1) conduta do ente público; (2) danos; e (3) nexo de causalidade entre o ato e os danos suportados pela parte demandante.

12. Dito isso, como anteriormente exposto, a questão controvertida cinge-se à responsabilidade do Estado em razão da perda auditiva do demandante, bem como o retrocesso em seu tratamento psiquiátrico, em razão da explosão de uma bomba de efeito moral próximo à sua cabeça, quando de um tumulto envolvendo a Brigada Militar e camelôs, no Centro de Santa Maria.

13. Pois bem, na hipótese restou demonstrado, através das matérias jornalísticas das fls. 10/11, que na data de 13/11/2006 efetivamente houvera um confronto entre policiais militares e camelôs no centro de Santa Maria/RS, em razão da insatisfação destes últimos com o recolhimento de suas mercadorias durante a manhã. Em virtude desta circunstância, os camelôs teriam então saído em direção ao Calçadão e à Rua do Acampamento, em Santa Maria/RS, obrigando os comerciantes a fechar seus estabelecimentos. Assim, convocou-se o Batalhão de Operações Especiais (BOE), que, com vista a controlar a situação, atuara de maneira excessivamente enérgica, inclusive com a utilização de bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha.

Aliás, a reportagem presente à fl. 11 dos autos, aponta que a ação de Brigada Militar teria se mostrado efetivamente violenta. Especificamente em matéria contida na página 10 do periódico "Diário de Santa Maria", narra-se que diversas pessoas, que não teriam qualquer envolvimento com os reclamos dos camelôs, teriam sido detidas e/ou sofrido lesões corporais em razão da operação encaminhada pela Brigada Militar. Nesse sentido, chama a atenção a fotografia presente na capa do jornal Diário de Santa Maria (fl. 10), que retrata um pai correndo com seu filho, enquanto os policiais montados a cavalo fecham a rua para controlar a baderna estabelecida.

14. De outro norte, tem-se por inequívoco que o demandante efetivamente se encontrava no centro de Santa Maria/RS no momento do incidente. Nesse sentido, segundo confirmado por seu vizinho JOÃO DAMÁSIO DE OLIVEIRA, ele e requerente haviam sido para adquirir medicamentos, quando se depararam com diversos policiais militares atirando, ficando acuados, quando, de repente, um artefato viera na sua direção, ricocheteara na parede e explodira próximo ao demandante. Este, então, ficara extremamente aturdido com o ocorrido, em verdadeiro estado de choque, sendo encaminhado posteriormente ao Pronto Socorro (fls. 58/59v).

15. Em virtude de tais fatos, o demandante, além de passar a apresentar perda auditiva do tipo neurossensorial de grau moderado na OD (fls. 12/14). Outrossim, ainda que não se pudesse cogitar que o incidente narrado na exordial tenha sido determinante para a piora do estado de saúde do demandante, é inequívoco, conforme o depoimento da psiquiatra KÁTIA BASSAN PEREIRA (fls. 64/65), que este certamente colaborara para o agravamento de seu estado emocional, fato esse também corroborado pela testemunha JOÃO DAMÁSIO DE OLIVEIRA (fls. 58/59), que afirmou que esse ficara "pior, e bota pior", depois do tumulto presenciado (fl. 58v).

16. Ora, nesses lindes, restou evidenciado que a ação da Polícia Militar efetivamente excedera o estrito cumprimento do dever legal, na medida em que se utilizara de força desproporcional para controlar manifestação levada a cabo por camelôs desarmados, em local de extremo movimento. Verifica-se, também, que a violência perpetrada contra o ora demandante, representada pelo arremesso de uma bomba de efeito moral em sua direção, era desnecessária, na medida em que este não participava da manifestação e não representava qualquer risco à ordem pública.

Verifica-se, pois, que a ação em questão não se encaixa em nenhuma das hipóteses excludentes previstas no artigo 188, incisos I e II, do CC/2002. Assim, tem-se que os agentes estatais excederam os limites do estrito cumprimento do dever legal, configurando assim abuso de direito, verdadeiro ato ilícito, nos termos do artigo 187, do CC/2002.

Igualmente, também restou comprovado o dano causado ao requerente, pessoa com graves problemas psiquiátricos, que, em razão de excessos praticados por agentes estatais, passou a apresentar perda auditiva e teve agravado o seu estado de saúde. Ora, tal quadro, a meu ver, inegavelmente traduz também dano moral in re ipsa, dado o sofrimento injustamente impingido ao requerente

No mesmo norte, é inequívoca a existência de nexo causal entre o ato ilícito e o prejuízo experimentado, na medida em que, se não fosse a bomba arremessada próxima ao demandante, pessoa sem qualquer vinculação com a manifestação, não teria esse sofrido a apontada perda auditiva, ou mesmo agravada, por aquela circunstância, o seu estado clínico-psiquiátrico.

17. Desta feita, configurada a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados ao requerente, nos termos do artigo 37, §6º, da CF/88, c/c 187, do CC/2002, tem-se por caracterizado o dever de indenizar. Neste tocante, convém ressaltar que o fato do requerente eventualmente receber tratamento por parte deste mesmo ente federativo não afasta a sua responsabilização para com os danos causados em virtude dos atos excessivos de seus prepostos.

Nesse sentido, aliás, assim já se pronunciou esta Corte: (1) APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. EXCESSOS COMETIDOS EM ABORDAGEM POLICIAL. DANOS MATERIAIS E MORAIS CARACTERIZADOS. 1. O Estado do Rio Grande do Sul tem responsabilidade de ordem objetiva pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, no termos do § 6º do art. 37 da CF. 2. O Estado demandado apenas se desonera do dever de indenizar caso comprove a ausência de nexo causal, ou seja, prove a culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior, ou fato exclusivo de terceiro. 3. No caso em exame, restou devidamente configurada a responsabilidade do ente público. Presente nos autos, a conduta ilícita dos agentes responsáveis pela abordagem do autor e de seus familiares, porquanto agiram com excesso, produzindo desnecessárias lesões corporais no demandante. 4. Não ficou devidamente esclarecido o motivo da ação policial tão enérgica. O ente público afirmou que o demandante, seu irmão e seu sobrinho, pouco antes da abordagem, encontravam-se no posto de combustível ¿Arco¿ ingerindo bebidas alcoólicas. Verifica-se da narrativa do ente demandado que a suposta razão da ação policial foi o uso indiscriminado de álcool, inobstante isso, causa certa estranheza o fato de não ter sido exigido exame para apurar a ingestão de bebidas pelo condutor do veículo. 5. Ainda, as provas coligidas aos autos dão conta que a ação dos policiais se deu em virtude de questões alheias à preservação da ordem pública e incolumidade física das pessoas, sendo determinada por motivos pessoais, em razão do desentendimento havido entre o demandante e um dos policiais. (...) 7. Reconhecida a responsabilidade do Estado pelo evento danoso, exsurge o dever de ressarcir os danos daí decorrentes, como o prejuízo imaterial ocasionado, decorrente da dor e sofrimento da parte autora, em razão das agressões sofridas. 8. No que tange à prova do dano moral, por se tratar de lesão imaterial, desnecessária a demonstração do prejuízo, na medida em que possui natureza compensatória, minimizando de forma indireta as conseqüências da conduta do demandado, decorrendo aquele do próprio fato. Conduta ilícita do demandado que faz presumir os prejuízos alegados pela parte autora, é o denominado dano moral puro. (...) (Apelação Cível Nº 70027238229, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 17/12/2008); (2) APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OBJETIVA. DANOS MORAIS E MATERIAIS. OCORRÊNCIA. DISPARO DE ARMA DE FOGO POR GUARDA MUNICIPAL DURANTE ABORDAGEM A VEÍCULO. (...) 2. RESPONSABILIDADE CIVIL. O sistema jurídico brasileiro adota a responsabilidade objetiva do Estado sob a forma da Teoria do Risco Administrativo. O ente estatal responde independentemente da existência de culpa pelos danos que seus agentes, nesta qualidade, causarem a terceiros. No caso concreto, o guarda municipal disparou acidentalmente arma de fogo e atingiu o veículo que estava sendo objeto de abordagem bem como aparelho celular que se encontrava na cintura do autor. A utilização de arma de fogo na abordagem em tela é desproporcional, já que os ocupantes do veículo não estavam armados e não trafegavam em alta velocidade. 3. DANO MORAL. Restando caracterizada a ação culposa do guarda municipal, que, por imprudência, disparou arma de fogo, cujo tiro apenas não atingiu o autor, pois este acertou o aparelho celular do demandante que se encontrava em sua cintura, está configurado o dano moral, nesta hipótese é in re ipsa em face das circunstâncias do caso. (...) CONHECERAM DO RECURSO ADESIVO E NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70021016555, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 17/09/2008).

Reconhecida a responsabilidade civil da parte demandada, passo agora à quantificação do abalo moral.

18. No que toca ao quantum a ser fixado, frise-se que a indenização por dano moral deve representar para a vítima uma satisfação capaz de amenizar de alguma forma o sofrimento impingido. A eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão de proporcionar tal satisfação em justa medida, de modo que não signifique um enriquecimento sem causa para a vítima e produza impacto suficiente no causador do mal, a fim de dissuadi-lo de novo atentado.

Nesta linha, entendo que a repercussão do fato, a condição econômica das partes e a sua conduta devem ser perquiridas para a justa dosimetria do valor indenizatório.

19. No caso, o autor, que padece de agorafobia, com transtorno de síndrome do pânico e depressão, litiga sob o pálio da gratuidade (fl. 19), tendo sido vítima de ação agressiva de policiais militares quando da contenção de manifestação levada a cabo por camelôs. Os agentes estatais, por sua vez, em razão de sua conduta excessiva para controlar a situação, em flagrante abuso de direito, ocasionaram danos de grande monta ao requerente, que passou apresentar sensível perda auditiva (fl. 12/13), além de agravar o seu já fragilizado estado de saúde.

20. Ponderados tais critérios objetivos, entendo que o valor indenizatório deva ser fixado em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), montante esse que entendo suficiente para atenuar as consequências do dano causado à reputação da parte ofendida, não significando um enriquecimento sem causa para a parte demandante, punindo a responsável e dissuadindo-a da prática de novo atentado.

21. Quanto aos consectários, destaco que a correção monetária constitui mera atualização da moeda, devendo incidir a partir da fixação do quantum devido, é dizer, a partir do julgamento. Nesse sentido: REsp 316332 / RJ; Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior; Quarta Turma; DJ 18.11.2002 p. 220. Ressalto, ainda, a recente súmula n° 362, do e. STJ, que assim dispõe: "A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento".

22. No que se refere aos juros moratórios, entendo cabível o início da contagem a partir do julgamento no qual foi arbitrado o valor da condenação. Considerando que o Magistrado se vale de critérios de eqüidade no arbitramento da reparação, a data do evento danoso e o tempo decorrido até o julgamento são utilizados como parâmetros objetivos na fixação da condenação, de modo que o valor correspondente aos juros integra o montante da indenização.

Tal posicionamento não afronta o verbete da Súmula nº 54 do STJ. Ao revés, harmoniza-se com o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça. A ultima ratio do enunciado sumular é destacar que a reparação civil por dano moral deve possuir tratamento diferenciado na sua quantificação em relação ao dano material, dado o objetivo pedagógico, punitivo e reparatório da condenação.

No tocante ao arbitramento do dano moral, o termo inicial da contagem deve ser a data do julgamento. Dessa forma, além de se ter o quantum indenizatório justo e atualizado, evita-se que a morosidade processual ou a demora do ofendido em ingressar com a correspondente ação indenizatória gere prejuízos à parte demandada, sobretudo, em razão do caráter pecuniário da condenação (STJ: REsp 618940 / MA; Rel. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro; Terceira Turma; julgado em 24/05/2005; DJ 08.08.2005 p. 302.).

23. Destarte, fixo a indenização em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a serem corrigidos monetariamente pelo IGP-M e acrescidos de juros moratórios de 12% ao ano, a contar deste acórdão.

Dito isso, passo à redistribuição da verba honorária, em razão do resultado da lide.

24. Pois bem, o demandante pugna, ainda, pela possibilidade de condenação do Estado ao pagamento das custas processuais e honorários à Defensoria, a serem revertidos ao Fundo de Aparelhamento da Defensoria Pública (FADEP).

Pois bem, inicialmente, deve se destacar que é possível a fixação de honorários em favor da Defensoria Pública se esta demanda em favor da parte vencedora: "(...) HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PARTE ASSISTIDA PELA DEFENSORIA PÚBLICA. FIXAÇÃO. PARÂMETROS. DESTINAÇÃO AO FADEP. Uma vez sucumbente o requerido, é o mesmo devedor de honorários advocatícios ao patrono da parte vencedora que, no caso de demanda patrocinada pela Defensoria Pública, se destina ao Fundo de Aparelhamento da Defensoria Pública - FADEP. RECURSO PROVIDO (...).". (Apelação Cível Nº 70018202770, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 18/01/2007).

25. Entretanto, como visto, a parte demandada é o próprio Estado. Desta feita, é incabível a fixação de honorários em favor da Defensoria Pública, sob pena de confusão entre credor e devedor, dado que a Defensoria é órgão do Poder Executivo Estadual. Nesse sentido, aliás, vai o seguinte precedente: (...) 1- A Defensoria Pública do Estado não pode receber honorários que decorrem de condenação da Fazenda em causa patrocinada por Defensor Público, por configurar-se na hipótese, confusão entre credor e devedor. 2- Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1028463/RJ, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 25/09/2008, DJe 13/10/2008).

Hipótese diversa seria, por exemplo, se a Defensoria estivesse litigando em desfavor de outro ente federativo, caso esse em que seria cabível a fixação de verba honorária destinada à FADEP: (...) 1. São devidos honorários advocatícios quando restar vencedora em demanda contra o Município, e não o Estado, parte representada por defensor público, não havendo que se falar no instituto da confusão, previsto no artigo 381, do Código Civil de 2002, uma vez que é aquele e não este que figura como devedor da verba honorária. 2. Recurso especial a que se dá provimento. (REsp 1046495/RJ, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/06/2008, DJe 30/06/2008).

26. Desta feita, embora cabível, não é devida sua condenação ao pagamento de verba honorária, na medida em que a presente demanda fora patrocinada por Defensor Público, em assistência à pessoa carente de recursos financeiros.

27. Por fim, quanto às custas processuais, cabe referir que são essas definidas como as despesas relativas ao processo, consequentes do ato executado que se mostrou necessário ao cumprimento de sua finalidade. Outrossim, por princípio firmado universalmente, tem-se que há o dever do vencido de pagar as custas havidas no processo mesmo que estas tenham sido pagas pelo vencedor (DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico, versão mecânica, 15º ed. Editora Forense, 1999).

Ademais, de acordo com o doutrinador Cândido Rangel Dinamarco "raros são os processos em que há isenção total dos encargos de sucumbência, de modo que não os pague o vencido, quem quer que ele seja".

Destarte, percebe-se que se deve interpretar de modo restrito os casos de isenção de custas processuais, uma vez que tais emolumentos são devidos na grande maioria das ocasiões.

28. Contudo, na lide em tela, incide o art. 11, § único, da Lei Estadual n.º 8.121/85, segundo o qual, in verbis: "O Estado não pagará emolumentos aos servidores que dele percebam vencimentos."

Neste sentido, a jurisprudência desta Corte: (1) (...) II - Tendo o feito tramitado em Cartório estatizado, no qual o serventuário perceba vencimentos do Estado, este está isento do pagamento. III ¿ É isento do pagamento da taxa judiciária o Estado do Rio Grande do Sul, nos termos da Lei Estadual nº 8.960/89. Agravo de instrumento provido. (Agravo de Instrumento Nº 70028822674, Terceira Câmara Especial Civel, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Delgado, Julgado em 25/03/2009); (2) (...) Tratando-se de Cartório Judicial estatizado, não são devidas custas processuais pelo Estado, nos termos do parágrafo único do art. 11 da lei 8.121/85. Apelos parcialmente providos. Unânime. (Apelação Cível Nº 70028430593, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 18/03/2009).

29. Neste passo, tampouco deve se condenar o Estado ao pagamento de custas processuais, uma vez que a 1ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública de Santa Maria/RS é cartório estatizado(2).

30. Igualmente, também não é devido o pagamento da taxa judiciária, por força do disposto no artigo 2º, da Lei Estadual nº 8.960/89. Aliás, assim já se pronunciou esta Corte: (1) (...) O Estado e suas autarquias são isentos quanto ao pagamento da taxa judiciária, à luz do art. 2º da Lei Estadual nº 8.960/89, por não figurarem no rol taxativo dos respectivos contribuintes. A isenção também decorre do art. 4º, XVI, da mesma Lei, em face da gratuidade judiciária deferida à parte autora, o que torna inexistente o pagamento de qualquer despesa pela parte autora a ser posteriormente ressarcida pela parte ré frente ao êxito do pedido inicial. APELAÇÃO PROVIDA POR DECISÃO MONOCRÁTICA. (Apelação Cível Nº 70028974319, Terceira Câmara Especial Civel, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria José Schmitt Santanna, Julgado em 26/03/2009); (2) (...) III É isento do pagamento da taxa judiciária o Estado do Rio Grande do Sul, nos termos da Lei Estadual nº 8.960/89. Agravo de instrumento provido. (Agravo de Instrumento Nº 70028822674, Terceira Câmara Especial Civel, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Delgado, Julgado em 25/03/2009).

31. Destarte, deve a Fazenda Pública ser isentada tanto do pagamento de verba honorária, quanto das custas processuais e Taxa Judiciária.

Dispositivo

32. Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao apelo para tão-só condenar o demandado ao pagamento de indenização por danos morais ao demandante no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a ser corrigido monetariamente pelo IGP-M e acrescido de juros de mora de 12% ao ano.

Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (PRESIDENTE E REVISORA) - De acordo.

Des.ª Marilene Bonzanini Bernardi - De acordo.

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA - Presidente - Apelação Cível nº 70029050382, Comarca de Santa Maria: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: ELOISA HELENA HERNANDEZ DE HERNANDEZ

Publicado em 02/07/09



Notas:

1 - Medo mórbido de se achar sozinho em grandes espaços abertos ou de atravessar lugares públicos; cenofobia (http://houaiss.tjrs.gov.br/cgi-bin/houaissnetb.dll/frame). [Voltar]

2 - Fonte: phttp://www.tjrs.jus.br/site_php/institu/dados_comarca.php?codigo=1392. [Voltar]




JURID - Excesso praticado por policiais militares. Manifestação. [07/07/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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