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terça-feira, 14 de julho de 2009

JURID - Custeio de tratamento de doença. [14/07/09] - Jurisprudência


Justiça de Campo Mourão determina custeio de tratamento de doença genética pelo Estado.


AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO) Nº 2008.70.10.001057-0/PR

AUTOR: TATIANE APARECIDA DA SILVA
JOÃO CARLOS DA SILVA
ADVOGADO: MARTA PAULINA KAISER LEITNER
RÉU:UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
:ESTADO DO PARANÁ

SENTENÇA

1. Relatório.


Trata-se de ação de conhecimento de rito ordinário, proposta por Tatiane Aparecida da Silva e João Carlos da Silva, irmãos absolutamente incapazes, representados pelos genitores João Aparecido Silva e Cleonice Aparecida Cândida Marins, em face da União - Advocacia Geral da União e do Estado do Paraná, objetivando, em síntese, a condenação dos réus ao fornecimento do medicamento Naglazyme® 5mg/5ml, conforme prescrição do receituário médico, em caráter de urgência, para tratamento da doença crônica geneticamente determinada, denominada Mucopolissacaridose Tipo VI ou Síndrome de Maroteaux-Lamy.

Informaram que referida patologia é rara, havendo apenas 15 casos em tratamento do Brasil, e que não dispõem de condições de custear o tratamento, notadamente em razão do valor da medicação. Além disso, aduziram que o quadro clínico da doença é de agravamento progressivo, chegando, inclusive, a levar a óbito por complicações cardiorrespiratórias. Informaram, também, que o tratamento da doença "é sempre recomendado, vez que os pacientes que passam por este tratamento no Brasil, têm apresentado melhora clínica da hepatoesplenomegalia, diminuição do infiltrado facial e da macroglossia, além da melhora da mobilização articular, e em alguns casos, melhora da acuidade visual" e "que a utilização do medicamento Naglazyme é a única forma viável e eficaz de se tentar a cura da severa enfermidade aqui considerada, tendo em vista as conquistas atuais da medicina". Invocaram vários princípios constitucionais para fundamentar o pedido.

Ao final, dentre os pedidos de praxe, afirmando estarem presentes os requisitos legais, protestaram pela concessão de tutela antecipada.

A petição inicial (fls. 02-24) foi instruída com os documentos de fls. 25-57.

O pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional foi deferido pelo Juízo às fls. 58-69, razão pela qual a União interpôs agravo de instrumento (fls. 94-161). A decisão agravada restou mantida (fl. 165) e o E. TRF da 4ª Região deferiu parcialmente o efeito suspensivo (fl. 258), o que ensejou a realização de perícia (fls. 259 e verso), cujos laudos foram encartados às fls. 308-329, juntamente com os documentos de fls. 326-369.

Às fls. 72-74 a parte autora retificou o valor dado à causa e regularizou a representação processual.

Os réus foram citados (fls. 76-verso e 164-verso).

A União apresentou contestação (fls. 168-218). Em síntese, alegou: i) preliminarmente, sua ilegitimidade passiva e litisconsórcio passivo necessário do Município de Campo Mourão/PR; ii) o medicamento pleiteado é de altíssimo custo e "não há constatação científica de que a utilização do fármaco promova a total interrupção dos efeitos ou da evolução da doença"; iii) ausência do direito ao fornecimento de "medicamento específico" para o tratamento da doença - necessidade de sujeição do indivíduo à disciplina de fornecimento de medicamentos do SUS - inteligência do art. 196 da CF/1988; iv) necessidade de perícia médica; v) trata-se de direito submetido à "reserva do possível"; vi) necessidade de prescrição do medicamento por médico do SUS; e vii) ausência dos requisitos para a concessão de tutela antecipada. Juntou documentos (fls. 219-256).

O Estado do Paraná também apresentou resposta em forma de contestação (fls. 267-286). Por seu turno, preliminarmente, argüiu o litisconsórcio passivo necessário da União. No mérito, em síntese, alegou que o fornecimento de qualquer medicação não pode se furtar à existência das políticas ditadas pelas normas que englobam o Sistema Nacional de Saúde. Ressaltou que o medicamento pleiteado não é registrado na ANVISA, e nem tem sua comercialização autorizada por ela, além de que não faz parte do rol de medicamentos gerenciados pelo CEMEPAR - Centro de Medicamentos do Paraná. Aduziu, também, a imprescindibilidade da produção de prova pericial para aferir a real necessidade da parte autora ser tratada com a medicação pleiteada, em detrimento daquelas previstas no Protocolo Clínico da patologia, bem como a dosagem medicamentosa e o período pelo qual deveria ser submetida ao tratamento. Sustentou que nos termos do art. 2º da Lei nº 8.080/1990, compete ao interessado adquirir os medicamentos pleiteados. Por fim, sustentou a ausência da verossimilhança das alegações para o fim de concessão de tutela antecipada. Juntou documentos (fls. 287-302).

As partes manifestaram-se sobre a perícia médica (fls. 375-392, 394-396 e 404-406).

Por meio da petição de fl. 408, a parte autora informou que o medicamento pleiteado foi aprovado pela ANVISA, por meio da Resolução RE nº 251, de 30 de janeiro de 2009 (cópia à fl. 409).

Ante a presença de interesses de incapazes, os autos foram encaminhados ao Ministério Público Federal, que, por sua vez, manifestou-se pela procedência do pedido formulado na petição inicial (fls. 418-480). Juntou documentos (fls. 431-433).

O E. TRF da 4ª Região deu parcial provimento ao recurso interposto pela União (fls. 443-448).

Em seguida, os autos foram registrados à sentença, conforme determinado à fl. 434.

É a síntese do essencial.

2. Fundamentação.

2.1. Preliminares.

2.1.1. Da legitimidade passiva da União e do litisconsórcio passivo necessário do Município de Campo Mourão/PR.

Em primeiro lugar, ressalvo que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem assinalado pela ilegitimidade da União no tocante ao pedido de fornecimento de medicamentos. Contudo, mesmo que se admita a responsabilidade da União apenas pela gestão e não pelo fornecimento direto dos produtos farmacêuticos, ainda assim, a meu ver, resta evidenciada sua legitimidade, haja vista a necessidade da transferência de tais recursos para eventual aquisição dos medicamentos por parte do estado-membro.

De resto, a questão já se encontra decidida, consoante os fundamentos exarados pela Eminente Desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora do Agravo de Instrumento nº 2008.04.00.037624-2/PR (fls. 444-447), interposto contra a decisão de fls. 58-69, in verbis:

"Inicialmente, quanto à alegação de ilegitimidade passiva da agravante, em que pese não desconhecer recente posição do STJ a respeito da competência para julgar e decidir sobre a execução de programas de saúde e da distribuição de medicamentos, no sentido de excluir a União dos feitos (RESP 873196/RS, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ 24-05-2007, p. 328), mantenho a posição esposada pela Exma. Ministra Ellen Gracie (SS 3205, Informativo 470-STF), no sentido de que 'a discussão em relação à competência para a execução de programas de saúde e de distribuição de medicamentos não pode se sobrepor ao direito à saúde, assegurado pelo art. 196 da Constituição da República, que obriga todas as esferas de Governo a atuarem de forma solidária'."

Quanto ao litisconsórcio passivo necessário, alegado pelo Estado do Paraná, importante assinalar que a situação em comento não se trata de simples obrigação solidária, fixada por lei ou contrato, nos moldes preconizados pelo Código Civil. A questão deve ser analisada à luz do disposto na Constituição Federal (arts.196 e 197), que criou o SUS, e sob esse aspecto, a natureza da relação jurídica impõe a presença do litisconsórcio necessário.

Nesse sentido, a Lei 8.080/90 confirma a existência de uma gestão tripartida do SUS (art. 8º) e, atendendo aos princípios da descentralização, regionalização e hierarquização da prestação de serviços de saúde (art. 7º, inciso IX, a e b, da Lei nº 8.080/90), estabelece que a direção do Sistema será exercida em cada esfera de governo nos limites de sua alçada (art. 9º). Em seus artigos 16 a 19, ao dar cumprimento ao comando constitucional, estabelece competências específicas a cada ente, atribuindo ao Estados, em caráter supletivo, a execução e prestação direta dos serviços, e à União, a gestão, fiscalização e controle. Não se trata de convênio, acordo ou contrato, mas sim de expressa disposição legal.

Desse modo, em conclusão, "da forma como está previsto o Sistema Único de Saúde na Constituição Federal, indubitavelmente, está caracterizado o litisconsórcio passivo necessário entre a União, o Estado e o Município." (TRF4, AG 2005.04.01.053824-9, Quarta Turma, Rel. Márcio Antônio Rocha, DJ 07/06/2006, g.n.).

Por fim, importante ressaltar que a inclusão do Município no presente lide é desnecessária, por se tratar de pedido de fornecimento de medicamento excepcional, de modo que as atribuições referentes à aquisição e dispensa de medicamentos excepcionais são divididas apenas entre a União e os Estados, notadamente pelo fato de competir ao Ministério da Saúde efetuar o repasse de recursos destinados à aquisição dos referidos medicamentos, e às Secretarias de Saúde dos Estados assegurar uma contrapartida de recursos financeiros para a aquisição, seleção, programação e dispensação dos mesmos. Semelhantes esclarecimentos são corroborados pelo disposto no art. 17, VIII, da Lei nº 8.080/90, regulamentado pela Portaria SAS nº 341, de 22 de Agosto de 2001, a qual organiza a aquisição e distribuição de medicamentos.

Com efeito, muito embora os Municípios componham o Sistema Único de Saúde, sua presença no pólo passivo em demandas da presente espécie, repise-se, é desnecessária, uma vez que, num eventual julgamento de procedência, os recursos financeiros necessários para a obtenção do medicamento serão custeados pela União, enquanto o efetivo fornecimento será feito pelo Estado do Paraná.

Sendo assim, denota-se que o pólo passivo da presente ação está correto, razão pela qual afasto as preliminares nesse particular.

2.2. Mérito.

Em síntese, pretendem os autores Tatiane Aparecida da Silva e João Carlos da Silva a condenação dos réus ao fornecimento do Medicamento Naglazyme® 5mg/5ml, de acordo com prescrição médica, para tratamento da doença crônica geneticamente determinada, denominada Mucopolissacaridose Tipo VI ou Síndrome de Maroteaux-Lamy.

Inicialmente, mostram-se necessárias algumas observações acerca do direito constitucional à saúde. Como bem observado na decisão de fls. 58-69, pela clareza e precisão dos fundamentos jurídicos apresentados pelo Juiz Federal Roger Raupp Rios, quando do julgamento do Agravo de Instrumento nº 2008.04.00.022658-0, transcrevo a seguir o excerto do Voto, o qual, por brevidade, adoto como razão de decidir, in verbis:

"[...]

O direito à saúde é direito fundamental, com eficácia e aplicabilidade imediata, nos termos do parágrafo 1º do artigo 5º da Constituição.

Com efeito, em sua primeira geração de direitos, o constitucionalismo clássico não previa direitos a prestações positivas fáticas por parte do Estado; todavia, com o desenvolvimento do Estado Social e seus reflexos no direito constitucional, foram consagrados tais direitos, conhecidos como direitos sociais, titularizados pelos indivíduos (esta a segunda geração dos direitos fundamentais). A dinâmica social e jurídica foi ainda mais além, inaugurando-se a terceira geração de direitos fundamentais: consagrou-se a proteção coletiva desses direitos individuais e a proteção de direitos coletivos, agora de titularidade metaindividual (STF, MS nº 20.936/DF, relator Ministro Celso de Mello).

Nesse diapasão, a alegação de que o direito à saúde é norma meramente programática e, portanto, incapaz de produzir direitos e deveres entre os cidadãos (individual ou coletivamente) e o Estado, já foi superada no atual estágio do constitucionalismo contemporâneo.

Com efeito, ainda que não haja dúvida quanto à relevância da tarefa da legislação e da administração no desenvolvimento do direito à saúde, sem o que a efetividade deste direito fica em muito comprometida para a coletividade, a doutrina também reconhece a possibilidade da eficácia direta de direitos fundamentais sociais, pelo menos em casos onde as prestações são de importância grave para seus titulares e não há risco de provocar crise financeira muito grave (neste sentido, por exemplo, Robert Alexy, Teoria de los Derechos Fundamentales, Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997, p. 494 e seguintes).

Pode-se, neste sentido, afirmar a eficácia de direitos fundamentais sociais, donde se inclui, pelo menos, um mínimo de assistência médica, que prevalece inclusive quando ponderado em face de outros princípios, como a competência orçamentária do Parlamento (neste sentido, por exemplo, Ingo Sarlet, 'Os direitos fundamentais sociais na Constituição de 1988', Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº 30, p. 97, 1999).

A jurisprudência de tribunais constitucionais também vai neste sentido. Cito duas cortes nacionais, cuja pertinência é direta para a compreensão do caso concreto: o Supremo Tribunal Federal, por razões óbvias e a Corte Constitucional da Colômbia, respeitado tribunal latino-americano que enfrenta realidade institucional, econômica e social bastante similar à brasileira.

De fato, o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de afirmar que (AgRg no Recurso Extraordinário nº 271.286-8, DJU 24.11.2000, relator Ministro Celso de Mello):

1) 'O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (artigo 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve zelar, de maneira responsável, o poder público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir aos cidadãos, inclusive aqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico hospitalar.'

2) 'O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atenção no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.'

3) 'A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. O caráter programático da regra inscrita no artigo 196 da carta política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o poder público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.'

Na esteira desta decisão, registram-se inúmeros precedentes, tanto do Superior Tribunal de Justiça quanto deste Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Por sua vez, a Corte Constitucional da Colômbia decidiu pelo direito à prestação positiva de saúde, decorrente diretamente da Constituição, titularizado por cidadão submetido a situação de necessidade vital cuja não-satisfação lesiona sua dignidade humana em grau elevado (Sentencia nº T-533, de 1992, disponível em http://www.constitucional.gov.co/corte/, em 10 de julho de 2006).

Todavia, antes que se chegue à conclusão de que determinada demanda de saúde (envolvendo tanto o fornecimento de medicamentos, quanto a prestação de procedimentos médicos) merece acolhida, o Poder Judiciário deve aferir a incidência de outros princípios e bens jurídicos constitucionalmente protegidos.

Isto porque, como se sabe, na concretização do direito à saúde, é necessário desenvolver uma compreensão abrangente e sistemática da Constituição e dos direitos fundamentais. Neste método de interpretação constitucional, pode-se vislumbrar, inclusive, a influência do conteúdo jurídico de um ou mais direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionalmente protegidos para a compreensão do conteúdo e das exigências normativas de outro direito fundamental (no caso, o direito à saúde). Este procedimento, no âmbito da contemporânea teoria dos direitos fundamentais, pode ser denominado método hermenêutico constitucional contextual, para utilizar a expressão de Juan Carlos Gavara de Cara, pois parte da própria Constituição, da conexão e da inter-relação entre as diversas normas de direitos fundamentais. Em suas palavras,

'La formación de uma interpretación sistemática de los derechos fundamentales no pude dar lugar a la formación de um sistema que sea axiométrico o lógico deductivo, sine que debe ser el resultado del análisis de lãs disposiciones de los derechos fundamentales, sus contenidos y lãs conexiones con otras normas constitucionales.' (Derechos Fundamentales e desarrollo legislativo - la garantía del contenido esencial de los derechos fundamentales em la Ley Fundamental de Bonn, Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1994, p. 116).

Se assim não for, corre-se o risco de emprestar-se solução jurídica incorreta quanto à interpretação sistemática do direito e à força normativa da Constituição. A força normativa da Constituição, como método próprio de interpretação constitucional, exige do juiz, ao resolver uma questão de direitos fundamentais, adotar a solução que propicie a maior eficácia jurídica possível das normas constitucionais, conforme lição de Konrad Hesse (Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, Porto Alegre: SAF, 1998).

Com efeito, a Constituição exige que se compreendam os direitos fundamentais emprestando-lhes a maior força normativa possível e evitando interpretação que implique restrição a outros princípios constitucionais e ofensa a direitos fundamentais de outros indivíduos e grupos.

O pedido ora veiculado relaciona-se diretamente ao direito fundamental à saúde, passível de proteção individual e coletiva; no caso, trata-se do exercício individual do direito subjetivo à saúde, consubstanciado no fornecimento de medicamento.

Dentre estes princípios e bens jurídicos constitucionalmente protegidos é preciso considerar, junto com o direito à saúde, pelo menos os seguintes princípios: a competência orçamentária do legislador, a reserva do possível e a própria eficiência da atividade administrativa, também norteadora de princípio constitucional da Administração Pública. Tudo, é claro, sem perder de vista a relevância, de primeira ordem, da preservação do direito à vida e o direito à saúde, titularizados pela parte autora que compareceu em juízo e obteve provimento liminar em seu favor.

Na concretização destas normas em face da realidade social e econômica que vivemos, conjugada com os princípios da universalidade, da integralidade e da gratuidade que informam o Sistema Único de Saúde, é preciso cuidar para que:

- eventual provimento judicial concessivo de medicamento acabe, involuntariamente, prejudicando a saúde do cidadão cujo direito se quer proteger, em contrariedade completa com o princípio bioético da beneficência, cujo conteúdo informa o direito à saúde;

- eventual concessão não cause danos e prejuízos relevantes para o funcionamento do serviço público de saúde, o que pode vir em detrimento do direito à saúde de outros cidadãos;

- não haja prevalência desproporcional do direito à saúde de um indivíduo sobre os princípios constitucionais da competência orçamentária do legislador e das atribuições administrativas do Poder Executivo, em contrariedade ao princípio da concordância prática na concorrência de direitos fundamentais.

De fato, a primeira alternativa pode ocorrer quando a prescrição medicamentosa, mesmo bem intencionada por parte do médico subscritor, adotar medicação cujo efeito, igual ou mais benéfico à saúde, for alcançada mediante medicamento já fornecido pelo SUS ou, ainda que não fornecido, nos casos de necessidade grave por parte do cidadão, seja de aquisição menos dispendiosa por parte do Poder Público.

A meu juízo, esta diretriz é a capaz de otimizar os direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionais envolvidos, sendo, portanto, de observância jurídica requerida pelo princípio de hermenêutica constitucional traduzido pela idéia da força normativa da Constituição.

[...]

No caso concreto, em exame liminar, constata-se que estas diretrizes, em linhas gerais, estão satisfeitas: (a) há manifestação médica detalhada e específica, referente à situação de saúde da agravada, dando conta da necessidade do medicamento requerido, à vista do esgotamento das outras alternativas disponíveis; (b) a doença é de extrema gravidade, colocando em risco, de modo concreto e iminente, inclusive a vida e da agravada; (c) tratar-se de medicamento fornecido pelo SUS, de modo excepcional, mas negado no caso concreto, pela Administração.

Atento a todas essas diretrizes, proponho o acolhimento parcial do agravo, para que, mantida a decisão liminar quanto ao fornecimento da medicação, o juízo observe, na fase instrutória, estas diretrizes e critérios, cuja ponderação é exigida não-só pelos direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionalmente protegidos contrapostos à pretensão, como também à própria efetividade do direito à saúde da parte agravada.

[...]" (TRF4, AG 2008.70.04.00.022658-0/PR, Rel. Roger Raupp Rios, Terceira Turma, D.E. 05/08/2008).

Reportemo-nos à análise do caso concreto.

O caso em questão merece uma análise minuciosa, porquanto os autores são portadores de uma doença rara, para a qual há apenas um medicamento no mercado mundial ("medicamento órfão"). A evolução da patologia, conforme se verá infra, é muito rápida, e o conjunto probatório produzido revela que os autores já estão bastante debilitados, o que recomenda rapidez na prestação jurisdicional, em atendimento à garantia constitucional prevista no art. 5º, LXXXVIII, da CF/1988.

Com a petição inicial, vieram alguns documentos médicos (fls. 34-36, 45-46 e 48), os quais, inclusive, serviram para embasar a concessão da tutela antecipada (fls. 58-69), cujo implemento restou prejudicado ante o provimento dado ao agravo de instrumento interposto pela União (fls. 443-447). Em tais documentos constam algumas observações acerca da patologia o do estado clínico dos autores:

"[...]

As Mucopolissacaridoses(MPS) são doenças de depósito progressivas, determinadas monogenicamente, que têm como característica patológica o acúmulo de mucopolissacarídeos ácidos, ou glicosaminoglicanos (GAGs), em vários tecidos e órgãos. São decorrentes da deficiência de enzimas lisossômicas responsáveis pela degradação dos proteoglicanos que formam a substância fundamental da matriz extracelular dos tecidos conjuntivos. A Mucopolissacaridose tipo VI ou síndrome de Maroteaux Lamy é decorrente da deficiência da enzima (N-acetilgalactosomina 4-sulfatase). A deficiência da enzima ocorre pela presença de mutações no gene que a codifica, que podem ser em homozigoze ou heterozigose composta.

O quadro clínico, tem início da infância, com parada do crescimento, restrições articulares e hepatomegalia, além do característico engrossamento das feições, devido ao depósito de glicosaminoglicanos no subcutâneo, tem caráter progressivo, com gradual comprometimento cardíaco, respiratório, esquelético, hepático e ocular, não ocorrendo na maioria das vezes o comprometimento do SNC. Quando não tratada o prognóstico é reservado com agravamento gradual e progressivo evoluindo para óbito por complicações cardio-respiratórias. O diagnóstico é confirmado pela detecção de sulfatúria (sulfato de dermatan e heparan) e determinação da atividade enzimática, podendo ainda ser realizada a análise molecular com a identificação da(s) mutação(ões).

[Em relação à autora Tatiane] Neste caso, o resultado do ensaio enzimático da Arilsulfatase B e leucócitos resultou em 1,7 nanomoles/h/mg proteína, com valores de referência para normalidade entre 5,3 a 22, o que confirma o diagnóstico da doença.

Em seu exame físico atual, TATIANE APARECIDA DA SILVA apresenta estatura de 95 cm (muito abaixo do percentil 3), peso de 18 Kgs, limitações articulares, hipoacusia e opacidade de córnea, que acarretou amaurose total (cegueira), dificuldade para marcha, hepatoesplenomegalia, e comprometimento cardio-respiratório, sendo que já apresenta obstrução respiratória alta. Não apresenta involução do desenvolvimento ou deficiência intelectual. A determinação da atividade da Arilsulfatase B (cópia do exame em anexo), confirma o diagnóstico de MPS VI).

Atualmente, TATIANE APARECIDA DA SILVA apresenta agravamento do comprometimento geral, grave comprometimento e restrição das articulações com limitação das atividades de vida diária, alguma limitação para a marcha e obstrução de vias aéreas superiores, além do comprometimento cardíaco.

[Em relação ao autor João Carlos] Neste caso, o resultado do ensaio enzimático da Arilsulfatase B e leucócitos resultou em 1,6 nanomoles/h/mg proteína, com valores de referência para normalidade entre 5,3 a 22, o que confirma o diagnóstico da doença.

Em seu exame físico atual, JOÃO CARLOS DA SILVA apresenta estatura de 100 cm (muito abaixo do percentil 3), peso de 18 Kgs, limitações articulares, hipoacusia e opacidade de córnea, dificuldade para marcha, hepatoesplenomegalia, e comprometimento cardio-respiratório, sendo que já apresenta obstrução respiratória alta. Não apresenta involução do desenvolvimento ou deficiência intelectual. A determinação da atividade da Arilsulfatase B (cópia do exame em anexo), confirma o diagnóstico de MPS VI).

Atualmente, JOÃO CARLOS DA SILVA apresenta agravamento do comprometimento geral, grave comprometimento e restrição das articulações com limitação das atividades de vida diária, alguma limitação para a marcha e obstrução de vias aéreas superiores, além do comprometimento cardíaco.

Não havia até o ano de 2005, tratamento específico, tendo a família sido orientada quanto as terapias de suporte e o tratamento das complicações para manutenção da vida e da qualidade de vida. Para minimizar o comprometimento, poderia ter sido realizado o transplante de medulo óssea, que, entretanto, não foi indicado pois está fora da faixa etária ideal para o procedimento (até 02 anos de idade), apresenta resultados moderados, alto índice de mortalidade por rejeição (aproximadamente 40% dos pacientes morrem direta ou indiretamente pelo procedimento), recidiva da doença após algum tempo do transplante, além de difícil realização na falta de doadores compatíveis.

O tratamento específico com enzima recombinante está aprovado pelo FDA e disponível desde junho de 2005 nos Estados Unidos da América, bem como pela EMEA, agência regulatória da Comunidade Européia desde 24 de janeiro de 2006, sendo produzida pelo laboratório Biomarin sob o nome comercial de Naglazyme®. Segundo os estudos de fase III, a reposição enzimática comprovadamente reverte o quadro esteoarticular. Embora os estudos clínicos não tenham incluído como end-points as avaliações dos outros sinais e sintomas, deverá, como em outras doenças lisossômicas em que há tratamento de reposição enzimática, melhorar a maioria dos comprometimentos da doença, pois retira os depósitos das diferentes áreas afetadas ou pelo menos, impede a progressão do quadro clínico já desenvolvido.

Existem atualmente 15 pacientes em tratamento no Brasil, com melhora clínica da hepatoesplenomegalia, diminuição do infiltrado facial e da macroglossia, além da melhora da mobilização articular, e em alguns casos, melhora da acuidade visual.

Na ausência de tratamento específico, as alterações apresentadas [por ambos os autores] evoluirão, podendo determinar a morte por alterações cardio-respiratórias. Portanto, o início do tratamento deve ser o mais breve possível. Os efeitos colaterais do tratamento consistem basicamente de reações à infusão que são prevenidas pela administração prévia de medicamentos e pela redução da velocidade de infusão."

No Relatório Europeu de Avaliação Público (EPAR - fls. 51-52), consta que para o tratamento da mucopolissacaridose VI (MPS VI), o medicamento pleiteado na presente ação (Naglazyme®) recebeu a designação de "medicação órfão", sendo que, em razão da gravidade da doença, "não existe nenhum outro tratamento semelhante para a MPS VI". Desse modo, conclui-se que tal medicamento é o único existente no mundo que pode servir para melhorar as condições de saúde e sobrevida dos autores e, com isso reduzir o sofrimento causado pela rara doença.

Assinale-se, por oportuno, que quando da concessão da tutela antecipada, ainda não havia sido determinada a realização de prova pericial, notadamente diante da gravidade e urgência que norteiam a presente demanda, o que, inclusive, foi objeto de insurgência pela parte ré. Contudo, tal providência foi efetivada às fls. 308-329. As informações do médico oficial, constantes nos respectivos laudos, corroboram as alegações e informações produzidas até então, senão vejamos.

Quanto à doença dos autores, o médico consignou o seguinte (fls. 308-311 e 317-320):

"Antes das respostas aos quesitos gostaria de tecer alguns comentários que julgo importantes para o entendimento das respostas aos mesmos.

As Mucopolissacaridoses (MPS) são doenças metabólicas hereditárias causadas por erros inatos do metabolismo que determinam a diminuição da atividade de determinadas enzimas, que atuam numa estrutura da célula chamada lisossomo, uma organela celular responsável pela degradação de grandes moléculas. As MPS fazem parte de um grupo chamado Doenças de Depósito Lisossômico.

Nossas células corporais são constantemente renovadas e geram a produção de detritos. Estes detritos são fagocitados e reutilizados pelo organismo. Esta tarefa é realizada principalmente por uma célula denominada de macrófago que engloba esses detritos dentro de uma estrutura denominado de lisossoma. No lisossomo, a célula fornece enzimas que degradam estes restos celulares fagocitados. A degradação significa a quebra de substâncias grandes em partes menores, que podem ser reutilizadas, para formação de novas células, por exemplo.

A informação para a formação de cada enzima que age no lisossoma, e são dezenas delas, são obtidas de informações existentes no núcleo celular. Qualquer alteração desta informação gera enzimas defeituosas que por sua vez não degradam detritos específicos, que ficam acumulados no corpo. Só para se ter uma idéia, temos mais de 30 mucopolissacaridoses, além das nove mais conhecidas. Existem algumas que têm apenas um caso no mundo. A mucopolissacaridose tipo VI é muito rara no mundo inteiro, mas apresenta uma incidência maior no Brasil e norte de Portugal.

Nas mucopolissacaridoses ocorre deficiência ou falta de enzimas que digerem substâncias chamadas Glicosaminoglicanos (GAG), antigamente conhecidas como mucopolissacarides e que deram nome à doença. Os Glicosaminoglicanos são moléculas formadas por açúcares, que se ligam a uma proteína central, absorvem grande quantidade de água, adquirem uma consistência mucóide, viscosa, o que garante a essa estrutura uma função lubrificante e de união entre os tecidos, permitindo por exemplo o movimento das articulações (juntas) do corpo. Quando os GAG não são digeridos corretamente, devido à deficiência de alguma enzima, eles ficam depositados no interior dos lisossomos e também são eliminados pela urina.

As manifestações clínicas das mucopolissacaridoses variam de acordo com a enzima que está em falta no portador da doença. Por exemplo na MPS I (síndrome de Huler) existe falta da enzima L-iduromidase que leva acumulo de Dermatan sulfato e Heparan Sulfato; Na MPS VI, (sindrome de Marateux-Lamy), que é a doença de nosso periciado, temos a deficiência da enzima Arylsulfatase B e o consequente acumulo de Dermatan Sulfato.

A Aryldusfatase é uma das cinco enzimas responsáveis pela degradação do dermatan sulfato, que é um importante componente do tecido conectivo. Tecido este importante na estrutura de nossos corpos (tendões, pele, vasos sanguineos, vias aéreas, válvulas cardíacas). Teremos então manifestações da doença em quase todo o corpo.

Na revista pediatrics volume 120, numero 2 de agosto de 2007, temos um interessante guideline, uma espécie de protocolo, para esta rara doença. Apesar do viés da participação do laboratório produtor da medicação, em discussão neste caso, na promoção do evento de elaboração. Neste artigo, os autores participantes do consenso, inclusive Ida Schwartz do serviço de genética do Hospital de Clinicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, determinam propostas de tratamento para a doença e suas implicações e riscos. A doença é vista de forma sistêmica onde se discute o que fazer nas alterações que irão ocorrer em cada sistema. Também aborda o uso de uso de transplante de medula, células-tronco e terapia de reposição enzimática no tratamento da doença base.

Ficou claro, para este perito, que a doença é muito mais complexa que a discussão apenas do tratamento medicamentoso. Fica evidente que os periciados deverão, no curso da doença, ser atendidos por profissionais especializados em delicados processos de controle de complicações. Exemplifico com três situações presentes nos periciados:

1. Para o quadro de alterações otorrinolaringológicas, que levarão a alterações no muco, aumento de amígdalas, cordas vocais, obstrução de vias aéreas superiores, apnéia do sono, pneumonias e perda da audição, existem propostas de exames e procedimentos clínicos e cirúrgicos complexos. Polissonografia é um exame proposto para a apneia. Adenoamigdalectomia como cirurgia proposta para melhora do quadro de vias aéreas. Uso de CPAP (uma espécie de aparelho, usado durante o sono, que manda uma pressão positiva de ar ambiente para melhorar o quadro de apnéia do sono), já acessível em nosso meio. Se paciente não responder ao CPAP é indicada uma traqueostomia quando da piora da apneia e infiltração de vias áreas superiores. Observe que a periciada Tatiana já apresenta sinais compatíveis com apnéia do sono. Broncopneumonias, que já atingiram os periciados devem ser sempre agressivamente tratadas com antibióticos de largo espectro.

2. As alterações cardíacas, que são a causa mais comum de óbito nestes pacientes, são caracterizadas por degeneração das válvulas cardiacas com estenose ou insuficiência. Durante a avaliação pericial notei sopro sistólico presente na periciada Tatiane. Os pacientes devem ser periodicamente (anual) avaliados por cardiologista e submetidos a ecocardiograma. Existe a possibilidade de cirurgia cardíaca para troca valvular prevista no evoluir da doença. Procedimento necessário e complexo devido a determinação do tamanho da válvula a ser utilizada. Observe que são pacientes de difícil abordagem anestésica, constituindo um desafio para o serviço de anestesia.

3. Os sintomas oftalmológicos devem ser avaliados anualmente por oftalmologista. Diminuição importante da acuidade visual ocorre em 40 por cento dos acometidos. A opacificação da córnea, já presente na Tatiane e em evolução no João Carlos, atinge a 95% dos doentes. Também temos a possibilidade de glaucoma (pressão alta do olho) por deposição de glicosaminoglicanos bloqueando a reabsorção (glaucoma de ângulo aberto) e atrofia no nervo ótico. Glaucoma já presente na Tatiana. O consenso sugere lentes corretivas, transplante de córnea e até shunt ventrículo peritoneal (uma espécie de ligação entre o ventrículo cerebral e o peritônio abdominal) para prevenir a atrofia do nervo óptico.

[...]"

Segundo o Perito, atualmente, há duas propostas de abordagens para o tratamento da doença base, quais sejam, o transplante de medula óssea e a pesquisa com células tronco (cordão umbilical). Contudo, como bem observado pelo médico oficial (fls. 311 e 320), essa técnica apresenta sérias dificuldades de implemento, notadamente diante da compatibilidade do doador (e de encontrá-lo), além do risco de rejeição:

"Temos atualmente duas propostas de abordagens para tratamento da doença base, ou seja, quando se pretende atuar sobre a doença base além do apoio médico clínico e cirúrgico sobre as conseqüências do quadro. Alguns resultados alentadores foram obtidos com transplantes de medula e temos estudos sobre uso de células tronco (cordão umbilical). Trabalho científico apresentado pela equipe de transplante de medula do hospital Universitário da Universidade Federal do Paraná mostra dois casos de pacientes com MPS VI submetidos ao processo de transplantes. Um menor com cerca de dois anos de idade com resultados alentadores e outro de sete anos que foi a óbito após 4 meses do procedimento. A técnica apresenta as dificuldades conhecidas como problemas de se encontrar doador compatível e risco de rejeição." (fl. 311 e 320)

Quanto ao medicamento vindicado na presente ação, o médico fez ponderadas observações (fls. 311-312 e 320-321), inclusive quanto ao fato de ser o único fármaco existente nos dias atuais ("medicação órfão"), o qual está sendo usado em seres humanos desde 2005, devendo, pois, ser considerado o seu uso no caso dos autores, os quais "não podem esperar o desfecho das avaliações in anima nobili que se darão dentro de mais de 10 anos, pois neste período espera-se o êxito letal":

"O medicamento conhecido como Naglazyme (galsulfase; N-acetilgalactosamina humana recombinante) se apresenta como terapia de reposição enzimática endovenosa especifica para MPS VI. Como já escrito, a doença tem em sua fisiopatologia, a falta da enzima galsulfase dentro do lisossoma que gera o acúmulo, por falta de degradação, de mucopolissacarídeos. Acúmulo este que leva as alterações exteriorizadas nos periciados. O medicamento apresenta então uma lógica fisiopatológica de reposição. Na célula normal, esta produção estaria ligada a informações do núcleo celular, que nos nossos periciados apresenta alteração na informação cromossômica que não envia este tipo de informação.

O Naglazyme deve ser aplicado semanalmente endovenosamente, de forma lenta e com cuidados muito específicos. Se optado por este tipo de terapia, os periciados deverão ser submetidos a colocação de um acesso venoso central. Em nossa cidade pode ser realizado pela equipe do hospital do câncer, que tem experiência neste tipo de procedimento. Procedimento que não será fácil de ser realizado devido a dificuldades de acesso e conformação anatômica diferenciada dos periciados. Devem também ser submetidos, horas antes da aplicação, a terapia para evitar reação alérgica ao produto. Sempre lembrando que uso de antihistaminicos deve ser acompanhado por medico devido risco de piora da apnéia do sono já apresentada pelos periciados. A aplicação em si exige o uso de um equipamento denominado bomba infusora que temos nos hospitais que prestam atendimento junto ao Sistema Único de Saúde em nossa cidade (Santa Casa, Policlínica e Pronto Socorro).

A medicação, por ser endovenosa, não alcançará os mesmos níveis em todos os locais do corpo humano, devido diferenças de perfusão. Isto tem uma implicação pratica no caso pois sabemos que a córnea, atingida pela opacificação, é fracamente perfundida. Bem como, já sabemos que o medicamento não atravessa a barreira hematoencefalica que protege o sistema nervoso central. Logo, também não deveremos esperar ações neste sistema. Por outro lado, temos descrito que nas pesquisas iniciais em felinos, o medicamento agiu sobre as válvulas cardíacas, principalmente quando utilizado precocemente, o que não é o caso de nossos periciados. No entanto, não temos estudos a longo prazo, para afirmar se esta ação não vai ocorrer.

O medicamento vem sendo usado em seres humanos desde 2005. Os critérios de avaliação da doença sofreram uma melhora em muito dos periciados tratados. Critério como capacidade de deambular - resistência em 6 ou 12 minutos de observação. Redução da excreção da GAG na urina. Observe que estes dados não são para indicar que o paciente está sofrendo apenas estas melhoras e sim, que estes critérios usados para a avaliação da doença, melhoram com o uso do medicamento em estudos duplo cego (aquele em que o pesquisador não sabe qual dos pacientes está recebendo o medicamento, e elabora seu trabalho de maneira mais isenta. Sem viés do desejo do resultado).

É opinião deste perito que o medicamento não deve ser visto como uma panacéia, mesmo porque os periciados são acometidos de inúmeros males. Mas, como se trata de medicação órfã, ou seja, não temos outra proposta terapêutica que atue de maneira concreta sobre a doença base, devemos então considerar o seu uso. Nossos periciados não podem esperar o desfecho das avaliações in anima nobili que se darão dentro de mais de 10 anos, pois neste período espera-se o êxito letal." (g.n.)

As respostas dadas aos quesitos formulados, abaixo transcritas, atestaram o quadro clínico mencionado na petição inicial, objeto dos documentos médicos que a acompanham, pois confirmaram que os autores são portadores de Mucopolissacaridose Tipo VI ou Síndrome de Marateaux Lamy (quesitos nº 01), e que o tratamento atualmente utilizado atua de forma não sistematizada apenas sobre as consequências da patologia, procurando minimizar danos e garantir melhor conforto e sobrevida aos autores (quesitos nº 04). Consignou que os requerentes não estão fazendo qualquer tratamento da doença base (quesitos nº 03). A evolução da doença, segundo consta do laudo, é rápida, fazendo parte de seu histórico natural, sendo que dentro de poucos anos os autores necessitarão de uso de cadeira de rodas para locomoverem-se e que o óbito, por insuficiência cardíaca ou lesão neurológica entre outros, pode ocorrer antes da idade adulta, ao fim da adolescência (quesitos nº 05). Por fim, ressaltou que o Medicamento Naglazyme é o único existente no mundo para a doença dos autores, não havendo substituto medicamentoso, e que o uso precoce dessa medicação indica uma melhora de parâmetros de avaliação (melhora de capacidade de deambulação, movimentos articulares, e na excreção de metabolitos em urina, entre outros) (quesitos nºs 06 e 07 e "D", este último formulado pela União). Vejamos o teor das respostas:

"Quesitos do Juízo (folha 259):

[Em relação à autora Tatiane Aparecida da Silva] 1. A autora é portadora de doença crônica geneticamente determinada, Mucopolissacaridose tipo VI ou síndrome de Maroteaux Lamy?

R: Periciada de 15 anos, apresenta historia de alterações em movimentos do ombro e mãos que tiveram inicio aos quatro anos e seguiram evoluindo com alterações em face (infiltração e deformidade), fígado e outras. Apresentou dois episódios de broncopneumonia. Refere dificuldade de respirar por "entupimento no nariz". Periciada contratuante e respondendo adequadamente às perguntas. Historia de perda importante da visão nos últimos três anos, com turvação de córnea e glaucoma.

Ao exame notamos periciada portadora de alterações compatíveis com doença geneticamente determinada. Apresenta hepato esplenomegalia com fígado palpável a nove cm do rebordo e baço palpável e percutível; altura de aproximadamente 99 cm, bem abaixo para o esperado pela idade; hérnia umbilical proeminente; Opacificicação importante de córnea; flexão máxima de ombro em 70 graus; Alteração compatível com fistula dentaria exteriorizada em face; deambulação com base ampla; otoscopia demonstrando cerúmen, sem sinais de otorreia, hipoacusia; Mãos típicas da doença; Ausculta pulmonar demonstrando roncos grosseiros e estertores em base direita; respiração bucal, hipertrofia de lábios; sopro sistólico; ausência de edema em membros inferiores; Pescoço curto; Macroglossia (língua infiltrada - aumentada) e dentes com implantação inadequada.

[...]

Exames e atestados apresentados pelo periciado:

* 20/06/2005 Atestado de opacificação de córnea.

* 02/04/2008 Investigação dirigida para mucopolissacaridose apresentou resultado qualitativo positivo na cromatografia para glicosaminoglicanos; quantitativo para glicosaminoglicanos de 615 microgramas GAGs/MG (valor referencia: 13 a 59); Ensaios enzimáticos no sangue: Alfa Iduronidase (MPS I) 2,38 nmoles (V.R. 1,13 a 9,5); Iduronato Sulfatase (MPS II) 23 nmoles (VR: 12 a 23); Arilsulfatase B (MPS VI) 1,7 nmoles (V.R. 5,3 a 22); Beta Glicuronidase (MPS VII) 14 nmoles (VR: 4 a 22)

* 09/06/2008 Declaração de médico assistente informando que a periciada apresenta doença crônica geneticamente determinada Mucopolissacaridose tipo VI.

* 18/06/2008 Solicitação de médico neurologista de Naglazyme na dose 4 frascos de 5mg/ml semanalmente, diluído em soro fisiológico, em 4 horas.

[Em relação ao autor João Carlos Silva] 1. A autora é portadora de doença crônica geneticamente determinada, Mucopolissacaridose tipo VI ou síndrome de Maroteaux Lamy?

R: Periciado de 11 anos, apresenta historia de alterações em movimentos do ombro e mãos que tiveram inicio aos quatro anos e seguiram evoluindo com alterações em face (infiltração e deformidade), fígado e outras. Apresentou um episodio de broncopneumonia. Periciado contratuante e respondendo adequadamente às perguntas. Processo de opacificação de córnea ainda tênue.

Ao exame notamos periciado portadora de alterações compatíveis com doença geneticamente determinada. Apresenta hepato esplenomegalia com fígado palpável a sete cm do rebordo e baço palpável e percutível; altura de aproximadamente 101 cm, bem abaixo para o esperado pela idade; hérnia umbilical proeminente; Opacificicação de córnea em estágio inicial; flexão máxima de ombro em 90 graus; deambulação com base ampla bem adequada; otoscopia dentro do normal; Mãos típicas da doença; Ausculta pulmonar dentro da normalidade; respiração dentro do normal; Ausculta cardíaca dentro da normalidade; ausência de edema em membros inferiores; Pescoço curto; Macroglossia (língua infiltrada - aumentada) e dentes com implantação inadequada.

[...]

Exames e atestados apresentados pelo periciado:

* 02/04/2008 Investigação dirigida para mucopolissacaridose apresentou resultado qualitativo positivo na cromatografia para glicosaminoglicanos; quantitativo para glicosaminoglicanos de 610 microgramas GAGs/MG (valor referencia: 13 a 59); Ensaios enzimáticos no sangue: Alfa Iduronidase (MPS I) 3,46 nmoles (V.R. 1,13 a 9,5); Iduronato Sulfatase (MPS II) 25 nmoles (VR: 12 a 23); Arilsulfatase B (MPS VI) 1,6 nmoles (V.R. 5,3 a 22); Beta Glicuronidase (MPS VII) 14 nmoles (VR: 4 a 22)

* 09/06/2008 Declaração de médico assistente informando que o periciado apresenta doença crônica geneticamente determinada Mucopolissacaridose tipo VI.

* 18/06/2008 Solicitação de médico neurologista de Naglazyme na dose 4 frascos de 5mg/ml semanalmente, diluído em soro fisiológico, em 4 horas.

Respondendo ao quesito posso afirmar que o quadro clinico apresentado pelo periciado (Macroglossia, opacidade de córnea, baixo peso e estatura, hepatoesplenomegalia) associada a uma diminuição importante da Arilsulfatase (enzima) e aumento de glicosaminoglicanos (substancia que se acumula no corpo) indicam o diagnóstico de Mucopolissacaridose tipo VI ou síndrome de Marateaux Lamy.

[As demais respostas são idênticas aos dois autores, com exceção às partes sublinhadas]

2. A quais tratamentos a autora já se submeteu ?

R: Periciada está em acompanhamento não sistemático por oftalmologista, otorrinolaringologista e neurologia pediatra, para controle das complicações tais como risco de compressão medular, alterações otorrinolaringologicas (macroglossia, sinusites, etc); broncopneumonias, entre outras.

Nunca fez qualquer tratamento especifico para doença base.

3. Qual o tratamento atual realizado pela pericianda?

R: Atualmente periciada está tratando quadro de abscesso dentário com fistula. Não está fazendo qualquer tratamento da doença base - Mucopolissacaridose tipo VI. Visitas não sistematizadas a diferentes serviços de atenção à saúde para abordagem de complicações importantes da doença, estão sendo realizadas.

4. Os medicamentos atualmente usados pela periciada propícia um controle adequado da doença?

R: Não. O tratamento hoje realizado atua de forma não sistematizada sobre as conseqüências da doença, procurando minimizar danos e garantir melhor conforto e sobrevida ao periciada. Existe protocolo especifico para a doença que sugere uma atuação mais agressiva da equipe médica nas complicações que vem sendo apresentadas pela periciada.

5. Se for mantido o tratamento atual, qual o prognóstico para a pericianda?

R: A periciada apresenta mucopolissacaridose tipo VI de evolução rápida. Faz parte do histórico natural da doença que dentro de poucos anos passe a necessitar de cadeira de rodas para se locomover e que o óbito, por insuficiência cardíaca ou lesão neurológica entre outros, ocorra antes da idade adulta, ao fim da adolescência. Observe que irmã de 15 anos já apresenta maior déficit visual e alterações cardíacas mais intensas. O irmão certamente segue uma historia semelhante.

6. Diante do quadro clinico atual, a indicação do medicamento Naglazyme 5m/ml mostra-se imprescindível, hoje, para a periciada? Se a resposta for negativa, é possível prever a partir de quando se tornará imprescindível?

R: O medicamento Naglazyme se apresenta como droga única como proposta de atuação sobre a doença base da periciada. É imprescindível seu uso associado a uma abordagem mais ampla dos problemas já apresentadas pela periciada. Tal tipo de abordagem, só é possível, se realizada em centro de grande complexidade de atendimento. Sugiro abordagem por equipe de alta complexidade de hospital universitário, Curitiba ou Porto Alegre, que podem prover um atendimento adequado a periciada no tocante as complicações e aplicação do Naglazyme (cuidados especiais). O uso precoce da medicação está associada a melhores resultados (dados de cobaias).

7. Quais serão os benefícios se a pericianda passar a usar o medicamento Naglazyme 5mg/ml?

R: Medicação está em período de avaliação para resultados a longo prazo. Pesquisa em felinos indicou uma melhora do quadro cardiológico. Os primeiros resultados em humanos indicam, em estudo duplo cego, uma melhora de parâmetros de avaliação tais como melhora de capacidade de deambulação, movimentos articulares, e na excreção de metabolitos em urina. Não sabemos ainda se a droga terá ação decisiva no desfecho final da doença. Também está claro que não se trata de um placebo (resultado claro em estudos duplo cego). São esperados resultados favoráveis ao uso como melhora do quadro de dispnéia, movimentos articulares, valvulopatia cardíaca, entre outros.

8. Sendo utilizado o medicamento Naglazyme 5m/ml, por quanto tempo deve ser utilizado.

R: Como não existiam propostas para atuação sobre a doença base até recentemente, a ciência médica apenas estava atenta a critérios diagnósticos da patologia, para orientação de doenças hereditárias. Com a proposta recente, ano de 2005, de uma abordagem sobre doença base, vários autores estão desenvolvendo critérios que demonstrem se o tratamento está sendo eficaz para os periciados (critérios ortopédicos, oftalmológicos, entre outros).

A medicação é aplicada via intravenosa e, possivelmente necessitará de um acesso central, que poderá ser um fator de risco adicional para os periciados (infecções como endocardites). Também apresenta risco de reação alérgica e uma possível reação de anticorpos contra a medição em si (risco do uso de antihistaminicos para alergia em periciada com quadro de apnéia).

[...]

Quesitos da União (Folha 304):

A. A periciada já fez uso de outros medicamentos e ou terapias indicados para a patologia? Em caso de resposta positiva, informar quais foram os medicamentos e ou terapias que foram utilizados.

R: Periciada já fez e faz uso de medicamentos para complicações relacionadas com a patolologia, tais como broncopneumonia.

B. Em caso de resposta positiva no item anterior informar quais as intercorrências durante a utilização deles, por quanto tempo foi mensurada a ausência de resposta aos mesmos?

R: O medicamento Naglazyme trata-se de medicação única para a patologia, como proposta de atuação sobre a doença base. Não fez uso de qualquer outra medicação com estas características.

C. Caso a periciada ainda não tenha feito uso de demais medicamentos, haveria a possibilidade de alteração do esquema terapêutico proposto? Se sim, indicar quais.

R: Como já escrito trata-se de droga única como proposta para a patologia base. Não temos conhecimento de droga semelhante com esta indicação.

D. Em caso de resposta negativa do quesito anterior: por que a substituição não é viável?

R: Droga única denominada como órfã. Não temos substituto medicamentoso conhecido com proposta semelhante. No futuro podemos discutir transplante de medula e uso de células tronco como abordagem neste tipo de patologia."

Importante acrescentar, ainda, que, conforme informado pela parte autora às fls. 408-411, o medicamento pleiteado nesta ação (Naglazyme) foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, por meio da Resolução nº 251, de 30 de janeiro de 2009 (fl. 409), o que afasta as alegações dos réus nesse particular. Aliás, observa-se que a ausência de manifestação da parte ré quanto ao documento de fl. 408 não importa em violação ao princípio do contraditório, porquanto em nada alteraria sua postura, notadamente porque os fundamentos apresentados sustentam-se independentemente da aprovação do medicamento pleiteado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA. Ademais, ao que tudo indica, referido ato normativo (Resolução RE nº 251, de 20/01/2009) fora publicado no Diário Oficial da União, do que se conclui que é de conhecimento de todos, inclusive dos réus.

Em relação à tese da "reserva do possível", insta salientar, primeiramente, que, conforme consignado à fl. 63, "consagrar o direito à saúde implica dar efetividade aos princípios consagrados na Constituição Federal, em especial ao princípio da promoção e preservação da dignidade da pessoa humana, aliás, eleito como um princípio estruturante (o principal fundamento) do atual Estado de Democrático de Direito da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da CF), sobre o qual se assenta todo o ordenamento jurídico." A partir dessa premissa, como bem observado pelo MPF, deflui-se que o direito à saúde (consagrado em vários dispositivos constitucionais, principalmente no art. 196) não se trata de uma mera ordem programática, despida de conteúdo jurídico obrigacional, mas sim que o Estado está juridicamente obrigado a garantir esse direito mediante políticas sociais e econômicas, devendo, pois, exercer ações e serviços de forma a promover, proteger e recuperar a saúde, sendo que a tal obrigação corresponde o direito subjetivo público do cidadão em ver tais ações e serviços implementados na prática.

Nesse contexto, mais uma vez utilizando os fundamentos apresentados pelo MPF, importante ressaltar que a Política Nacional de Medicamentos, aprovada pela Portaria GM/MS nº 3.916/98, expressamente prevê a definição de 3 pressupostos básicos dos medicamentos a serem adquiridos e distribuídos (de forma centralizada) em situações especiais, dentre eles, "doenças consideradas de caráter individual que, a despeito de atingir número reduzido de pessoas, requerem tratamento longo ou até permanente, com o uso de medicamentos de custos elevados", a qual acaba abrangendo, por qualquer ângulo que se possa enfocar, a situação dos autos.

Mas não é só. O fato de haver várias dispensas de licitação para a aquisição do medicamento pleiteado pelos autores, conforme se constata pela cópia do Diário Oficial da União às fls. 431-433, referente ao dia 13 de fevereiro do corrente ano, já é suficiente para se concluir que a compra do fármaco objeto dos autos não é tão rara como pretende fazer crer a parte ré. Por conseguinte, o Estado deveria estudar uma forma de diminuir os custos com o fornecimento desse medicamento, mormente para a população desprovida de recursos financeiras, como no caso dos autos.

Além do mais, nada obstante o valor da medicação vindicada pelos autores, não ficou suficientemente comprovado que seu elevado custo possa efetivamente comprometer o direito da coletividade à saúde. Repise-se: a situação dos autos não se trata de caso isolado, notadamente pelo fato de haver várias dispensas de licitação para a aquisição do medicamento em casos semelhantes. Assim, infere-se a presença da razoabilidade na aquisição do medicamento, o qual, lembre-se: é o único existente no mundo para a patologia dos autores.

Sob outro prisma, há de se ressaltar que se trata de doença extremamente rara (15 casos no Brasil), o que reforça a conclusão de que seu fornecimento não causará danos aos direitos da coletividade.

Tais constatações acabam afastando os fundamentos apresentados pela parte ré.

Não há dúvidas de que o grupo familiar da parte autora não disponha de condições de custear a compra do medicamento pleiteado, considerando a declaração socieconômica de fl. 31, bem como os orçamentos e informações de fls. 40, 41 e 49, que revelam que cada frasco do fármaco custa em média R$ 3.000,00 (três mil reais), correspondente a US$ 1.522,50 (um mil, quinhentos e vinte e dois dólares americanos, e cinquenta centavos).

Por derradeiro, como bem observou o Ministério Público Federal à fl. 424, "negar o tratamento médico aos autores equivale à prática de duplo homicídio" (grifo no original).

Assim, a procedência do pedido é medida que se impõe.

3. Do provimento a ser concedido

Necessário o presente tópico, que integrará o dispositivo da sentença, pois o caso é tal complexidade que não se encerra no provimento de fornecimento puro e simples do medicamento. A propósito, trago à tona as considerações feitas pelo i. perito em seu brilhante trabalho, in verbis:

"Por outro lado, existe a necessidade dos periciados serem avaliados por equipes especializadas em patologias e submetidos aos outros tratamentos propostos pelos consensos. Tratamentos estes inexistentes em nossa cidade e possivelmente em nossa região. Proponho finalmente que, a família seja transferida para próximo a um grande centro de medicina com estas condições (Porto Alegre, Curitiba entre outros). Os periciados devem ser avaliados e tratados por equipe de grande complexidade chefiada por serviço de genética, existente, em nosso país, nos hospitais universitários federais. O uso da medicação Naglazyme deve ser reavaliado a cada seis meses com critérios propostos por esta equipe e descontinuado, se a relação positiva entre o risco do uso e seus benefícios não se confirmarem com os próprios periciados e, com os estudos que estão sendo realizados em outros centros.

[...]

6. Diante do quadro clinico atual, a indicação do medicamento Naglazyme 5m/ml mostra-se imprescindível, hoje, para a periciada? Se a resposta for negativa, é possível prever a partir de quando se tornará imprescindível?

R: O medicamento Naglazyme se apresenta como droga única como proposta de atuação sobre a doença base da periciada. É imprescindível seu uso associado a uma abordagem mais ampla dos problemas já apresentadas pela periciada. Tal tipo de abordagem, só é possível, se realizada em centro de grande complexidade de atendimento. Sugiro abordagem por equipe de alta complexidade de hospital universitário, Curitiba ou Porto Alegre, que podem prover um atendimento adequado a periciada no tocante as complicações e aplicação do Naglazyme (cuidados especiais). O uso precoce da medicação está associada a melhores resultados (dados de cobaias)." (g.n.)

Com efeito, não basta ministrar o medicamento voltado para o controle da doença. Há necessidade, também, do apoio médico clínico e cirúrgico sobre as conseqüências do quadro. Como salientado pelo perito, o medicamento em tela não é capaz de eliminar todos os efeitos deletérios da patologia que acomete os autores, sendo imprescindível o acompanhamento das doenças periféricas, que são várias e sérias, bem como de eventuais efeitos colaterais.

É importante ressaltar também que, muito embora se reconheça o direito ao medicamento, e considerando os altos custos que gera ao Estado, a sua utilização deve ser feita da forma mais prudente e monitorada possível, o que, entendo, escudado pelo laudo pericial judicial, há de ser feito em grandes centros médicos, reconhecidos como referência no tratamento de doenças de tal gênero, tais como os da UFPR e da UFRGS, entre outros.

Não se pode deixar de consignar também que a medicação deve ser utilizada enquanto se fizer útil aos autores. Se o medicamento perde sua eficácia, não subsistirá razão para que seja ministrado. Do mesmo modo, não haverá razão para seu fornecimento se for reconhecido que os efeitos colaterais sejam piores do que os benefícios de sua aplicação, a ponto de o médico responsável recomendar a interrupção do uso. Esse é mais um motivo para encaminhamento dos autores a um grande centro.

Nesse passo, não se pode deixar de levar em consideração que os menores se encontram em estágio diferenciado de evolução da doença, de forma que não necessariamente aproveitarão os benefícios do medicamento na mesma intensidade.

Por fim, devo ressaltar, ainda, que independentemente do fornecimento do referido medicamento, já deveriam os autores ter sido encaminhados ou submetidos a tratamento junto a grandes centros médicos, por ação dos respectivos serviços públicos do saúde.

Assim, pelas razões acima expostas, vê-se que não basta o fornecimento da medicação pleiteada. Os autores deverão ser acompanhados por equipe médica especializada junto ao Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, local onde deverão ser realizados todos os procedimento para integral, contínuo e gratuito atendimento dos autores.

A verificação e posterior comunicação a este juízo acerca de eventual superveniência de situação que torne desnecessário o uso do medicamento, consoante parecer fundamentado do médico responsável, ficará a cargo de ambas as partes (autor e réus), o que primeiro tiver acesso e conhecimento, por força da lealdade processual.

Intime-se, ainda, o Ministério Público Federal, a fim de que possa zelar pelo regular cumprimento da presente decisão.

4. Da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional.

Tendo em vista o término da instrução probatória, e considerando as novas provas produzidas no bojo do presente caderno processual, especialmente a pericial, verifico a presença dos requisitos para a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, quais sejam, a verossimilhança das alegações e a urgência do provimento judicial.

Sem desconsiderar o teor dos fundamentos exarados no r. Voto carreado por cópia às fls. 444-447, a perícia realizada nos autos forneceu novos elementos probatórios a ensejar a reanálise do pedido de tutela antecipada formulado na petição inicial.

A situação clínica dos autores é bastante crítica (v. perícia fls. 308-329) e demanda urgência de todos os envolvidos (Poder Executivo, Poder Judiciário, Ministério Público Federal, Ministério da Saúde, etc).

4.1. Desse modo, considerando a situação clínica de ambos os autores, FIXO o prazo de 60 (sessenta) dias para que a UNIÃO proceda à aquisição e ao fornecimento do medicamento NAGLAZYME® 5mg/5ml, inclusive a eventual importação, prazo que se mostra razoável e adequado ao cumprimento da decisão, ante a urgência que o caso requer e as reconhecidas dificuldades da União para aquisição de medicamentos do gênero.

4.1.1. Em relação à quantidade do medicamento, até ulterior manifestação desde Juízo a ser embasada em novas indicações médicas, deverão ser fornecidos pelos réus a quantia de 32 (trinta e dois) frascos (16 para cada autor), conforme prescrições de fls. 33 e 48.

4.1.2. O medicamento deverá ser encaminhado ao Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná, com a identificação do nome dos autores Tatiane Aparecida da Silva e João Carlos da Silva.

4.1.3. Fica facultada a autorização ao Estado do Paraná, por meio de aditamento ao Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas proposto pelo Ministério da Saúde, a fornecer o referido medicamento aos autores.

4.2. Além disso, independentemente do recebimento dos remédios, os autores deverão ser encaminhados a corpo clínico especializado (equipe de alta complexidade), pertencente ao Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná, consoante recomendação do perito judicial, de forma a serem adotadas as medidas cabíveis para avaliação, acompanhamento e tratamento da doença base (mucopolissacaridose) e das demais patologias atreladas ao desenvolvimento desta, o que deve se iniciar em 15 dias, no máximo.

4.2.1. Com vistas a tornar efetiva a tutela ora concedida, e constatada a situação de miserabilidade dos autores, que recebem benefício de prestação continuada - LOAS, deverá o ESTADO DO PARANÁ arcar com as despesas relativas ao transporte, alimentação e estadia dos autores e seus pais.

4.3. Registro, desde já, que tais prazos são improrrogáveis, razão pela qual eventual pedido de prorrogação fica desde já indeferido.

4.5. A fim de garantir o cumprimento da decisão antecipatória, e diante da gravidade do caso, necessária fixação de multa diária em desfavor dos réus, sem prejuízo de outras medidas em caso de reiterado descumprimento.

4.5.1 Assim, expirado o prazo de 60 dias fixados para a União, incidirá, a partir do 61º dia, multa diária de R$10.000,00 (dez mil reais), por autor, ou a partir do dia posterior à cessação da entrega do medicamento, se ainda se fizer necessário.

4.5.2. Ao Estado do Paraná, fixo a multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por autor, a incidir a partir do 16º dia da intimação da presente, ou a partir da data em que for cessada a assistência ora determinada.

4.6. Por fim, ressalto que medidas acima definidas não excluem outras que possam se tornar necessárias, devendo restar bem claro que a União e o Estado do Paraná deverão realizar todas as diligências necessárias a viabilizar tratamento integral, especializado, contínuo e gratuito aos autores.

5. Dispositivo.

Ante o exposto, REJEITO preliminares suscitadas pelos réus. No mérito, com fundamento no art. 269, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na petição inicial, condenando a União e o Estado do Paraná a fornecer aos autores o medicamento NAGLAZYME® 5mg/5ml, bem como a proceder às medidas necessárias a propiciar o tratamento integral, especializado, contínuo e gratuito, consoante os termos do item 3, supra, os quais também integram o presente dispositivo.

Ainda, ANTECIPO os efeito da tutela jurisdicional, consoante item 4, supra, cujos termos passam a compor a tutela jurisdicional definitiva.


Por conseguinte, CONDENO os réus ao pagamento de honorários advocatícios, os quais, sopesados os critérios legais, FIXO em R$ 8.000,00 (oito mil reais), pro rata.

Sentença sujeita ao reexame necessário.

Publique-se. Registrem-se. Intimem-se, inclusive o Ministério Público Federal, com urgência.

Tendo em vista a existência de prazo comum (União e Estado), bem como a urgência no cumprimento da tutela, resta vedada a carga individual dos autos, ficando desde já a Secretaria autorizada a fornecer todas as cópias que forem solicitadas. Desde já, também, autorizo a carga em conjunto pelos réus.

Apresentado(s) recurso(s) de apelação por qualquer das partes dentro do prazo legal e efetuado o devido preparo (art. 511, CPC), caso necessário, intime(m)-se o(a,s) apelado(a,s) para apresentar(em) contra-razões no prazo legal. Em seguida, apresentadas ou não as devidas contra-razões, encaminhem-se os autos ao E. TRF da 4ª Região, servindo este item como despacho de recebimento para os efeitos legais pertinentes. Em relação à antecipação da tutela jurisdicional, deferida nesse momento processual, eventual recurso de apelação será recebido apenas no efeito devolutivo (art. 520, VII, do CPC).

Após o trânsito em julgado, nada sendo requerido, sejam feitas as anotações necessárias e remetam-se os autos ao arquivo.

Campo Mourão/PR, 09 de julho de 2009.

ÉRICO SANCHES FERREIRA DOS SANTOS
Juiz Federal Substituto

RECEBIMENTO - PUBLICAÇÃO - REGISTRO DE SENTENÇA

Em ___________, na cidade de Campo Mourão/PR, recebi os autos do MM. Juiz Federal, com a r. sentença retro. Tornei-a pública em Secretaria, para os fins do artigo 463 do Código de Processo Civil. Em seguida, procedi ao lançamento da fase no SIAPRO/GEDPRO, conforme determina o artigo 202, §§ 3º e 4º, da Consolidação Normativa da Corregedoria-Geral da Justiça Federal da 4ª Região. Para constar, lavrei a presente.

MARCOS MARTINS
Analista Judiciário
Matrícula nº 11.570



JURID - Custeio de tratamento de doença. [14/07/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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