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sexta-feira, 10 de julho de 2009

JURID - Alegação doença pré-existente. [10/07/09] - Jurisprudência


Alegação de doença pré-existente não suspende atendimento


PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
JUÍZO DE DIREITO DA 9ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NATAL/RN

Processo nº: 001.00.007231-2
Ação: Ação Civil Pública
Autor: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte - 29ª Promotoria
Réu: HAPVIDA - ASSISTÊNCIA MÉDICA LTDA

SENTENÇA

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte ajuizou ação civil pública em face de HAPVIDA - Assistência Médica Ltda., qualificada nos autos, alegando que a parte ré é operadora de plano privado de assistência à saúde, atuando acentuadamente no mercado natalense, vindo a galgar posição de destaque na sua carteira de clientes, contemplando aproximadamente quarenta mil usuários.

Aduziu que houve a reclamação de consumidores que tiveram recusada a cobertura da assistência contratada com a parte ré, sob o fundamento de que os casos neles tratados referem-se a doenças preexistentes, pelo que estariam excluídos da cobertura objetivada no contrato, vindo ensejar então a negação da assistência, mediante unilateral postura da operadora.

Asseverou que elaborou minuta de ajustamento de conduta, objetivando a adequação do procedimento da operadora nos caos de doença preexistente, sendo que não houve qualquer manifestação sobre o assunto, o que impôs o manejo da ação civil pública em análise.

Alegou que o procedimento que vem sendo adotado pela ré é ilegal, contrariando o artigo 11, parágrafo único, da Lei n. 9.656/98. Disse que, antes de exaurido o prazo de vinte e quatro meses do contrato, somente poderá ocorrer a negativa da cobertura se for comprovado o conhecimento pelo consumidor da existência da patologia ao tempo da contratação, imputando-se à operadora a prova dessa circunstância.

Afirmou que a ré vem alegando a preexistência das enfermidades dos seus usuários e, unilateralmente, recusando a cobertura da assistência.

Disse que o Conselho de Saúde Complementar editou a Resolução n.º 02, de 03.11.1998, dispondo sobre a definição de cobertura às doenças preexistentes e regulando o procedimento cabível no caso de alegação pela operadora dessa ocorrência. Segundo ali previsto, caso recuse o atendimento, e, havendo discordância do usuário, a operadora deverá submeter a solução do caso ao Ministério da Justiça, e não poderá recusar a assistência, enquanto não decidida a matéria.

Requereu, por isso, o julgamento procedente do seu pleito para determinar que a parte ré seja obrigada:

1) a não suspender unilateralmente a assistência aos seus usuários, sob o argumento de que a patologia é preexistente à contratação do plano de saúde, nas situações em que for recusada pelo consumidor a alegação, enquanto não exaurido o procedimento regulado no artigo 11 da Lei n. 9656/98 e na Resolução n.º 2 do CONSU;

2) a fazer incidir a obrigação assinalada no item antecedente sobre a integralidade dos casos nos quais, anteriormente ao ajuizamento desta ação, tenha ocorrido a recusa da cobertura em desarmonia com as hipóteses legais referidas, imputando-se à demandada a obrigação de comunicar aos usuários o restabelecimento da assistência relacionada com a doença preexistente, assim como do contrato eventualmente rescindido por este motivo, ficando o consumidor desobrigado do pagamento da sua contraprestação contratual no período compreendido entre a data da suspensão/rescisão do contrato e a data do restabelecimento.

3) compelida ao pagamento de multa cominatória diária, pelo descumprimento da medida concedida nos termos dos tópicos anteriores, por cada cobertura recusada ou não restabelecida.

Anexou aos autos os documentos das folhas 21 a 105.

Nas folhas 107 a 113, decisão que deferiu a medida liminar requerida.

Citada, a ré apresentou contestação nas folhas 216 a 233, alegando que o ato combatido pelo Ministério Público não se trata de exclusão de cobertura ou suspensão contratual por doença preexistente, e sim rescisão de contratos por prática comprovada de fraude, faculdade que lhe é concedida pela Lei n. 9.656/98.

Afirmou que não comete a exclusão de cobertura, nem suspensão de contrato em decorrência de doença e lesão preexistente. Asseverou que o artigo 13, parágrafo único, inciso II, da mencionada lei autoriza a rescisão unilateral do contrato em caso de fraude, o que é também previsto na Resolução n.º 03 do CONSU.

Aduziu que, segundo a Resolução n.º 02 do CONSU, de 03.11.98, em seu artigo 7º, a omissão do consumidor sobre o seu conhecimento prévio acerca da sua condição quanto à existência de doença e lesão se caracteriza como comportamento fraudulento.

Afirmou que quando identifica caso de doença ou lesão preexistente notifica extrajudicialmente o usuário por escrito, para que ele demonstre sua recusa pelo mesmo modo, no prazo de 30 (trinta) dias. Disse que caso haja discordância do usuário, por escrito, é que lhe cabe remeter a decisão à ANS.

Alegou que, se o usuário não demonstra seu inconformismo, por escrito, no referido prazo, tem-se confirmada a rescisão contratual, a qual não está obrigada a informar a ANS.

Acresceu ainda que não pode suportar o ônus da manutenção dos contratos celebrados de má-fé, visto que tais já nasceram eivados de vícios devido ao comportamento fraudulento.

Afirmou também que há impossibilidade jurídica do pedido, quanto à aplicação da Lei n.º 9.656/98 ao contratos celebrados antes da sua vigência.

Disse que há de provas, pois o inquérito civil preparatório traz insuficientes elementos de convicção, havendo menção apenas a dois casos, referentes aos menores Everton Bruno Pereira Xavier e André Felipe Medeiros Nóbrega, sendo que no primeiro deles houve falha no seu sistema de informática, o que foi imediatamente corrigido. Quanto ao segundo caso, disse que o próprio médico assistente do paciente declarou expressamente a preexistência da patologia, na folha 70 dos autos.

Por tais motivos, requereu que este Juízo julgue juridicamente impossível a postulação autoral, determinando a extinção do processo sem resolução do mérito, ou que julgue improcedente os pleitos autorais, declarando a liceidade do procedimento adotado pela ré, reconhecendo a legalidade e licitude da denúncia dos contratos celebrados, por prática de fraude, isentando-a de qualquer ônus ou condenações.

Juntou aos autos os documentos das folhas 234 a 3167.

Instado a se manifestar sobre a contestação apresentada, o Ministério Público apresentou pronunciamento nas folhas 3571 a 3579, por meio do que afirmou que a possibilidade de ocorrência de fraude por parte de alguns usuários de plano de saúde não resta descartada, e certamente não é em favor destes que o Ministério Público movimentou a máquina judiciária.

Disse que, embora a legislação garanta o direito da contestante de rescindir os contratos na ocorrência de fraude, tal não pode ser exercido ao seu talante, pois o mecanismo de comprovação da existência prévia da doença, e o seu conhecimento por parte do usuário, é da competência administrativa da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, a qual através de procedimento próprio, a partir de representação formulada pela operadora de plano de saúde, decide se o caso é ou não de patologia preexistente.

Alegou que não procede o argumento de que o procedimento previsto na Resolução n.º 02 do CONSU se aplica somente aos casos de suspensão do contrato e não aos de rescisão, visto que isso contraria o espírito do CDC, que considera o consumidor vulnerável em relação ao fornecedor.

Disse que o procedimento que vem sendo utilizado pela ré não garante ao consumidor o exercício do seu direito de discordância, pois a negativa do tratamento é apresentada como fato consumado, sem que lhe seja esclarecido que pode discordar da posição adotada pela operadora.

Asseverou que a Lei n.º 9.656/98 é aplicável nos casos de cancelamento dos contrato sem justa causa, mesmo que a celebração tenha sido anterior à sua entrada em vigor.

Concluiu sua manifestação requerendo a rejeição das preliminares arguidas, dando-se solução final ao litígio, para salvaguarda dos interesses da coletividade.

Novo pronunciamento da parte ré nas folhas 3580 a 3590.

É o relatório.

No caso presente, é admissível o julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil, aplicável à espécie subsidiariamente, visto que a questão de mérito é unicamente de direito.

Analisando detidamente os autos, verifica este Juízo que não há nenhuma questão processual que mereça decisão ante-meritória, visto que todos os argumentos expostos na contestação se referem ao cerne da demanda, seja em seu aspecto central, seja em sua periferia. Não há nenhuma alegação que tenha real natureza de pressuposto processual ou de condição da ação.

A iniciativa do Ministério Público se assenta essencialmente na afirmação de que a parte ré não estaria cumprindo o preceito inserto no artigo 11, parágrafo único, da Lei n.º 9.656/98, ainda em vigor, segundo o qual é vedada a suspensão da assistência à saúde do consumidor ou beneficiário, titular ou dependente, até que a prova de que o tratamento solicitado seja decorrente de doença ou lesão preexistente à data da contratação do serviço de assistência médico-hospitalar, e da demonstração do seu conhecimento prévio por parte do consumidor ou beneficiário.

Por sua vez, a defesa da requerida tem como principais argumentos a negativa de que não esteja observando o procedimento regulamentar e de que, na verdade, rescinde unilateralmente os contratos nos casos em que identifica a ocorrência de fraude contra si praticada, por usuários portadores de doenças preexistentes.

A bem da verdade, não pode ser tida como inexistente a conduta da ré em negar atendimento aos seus clientes, sob a alegação de que não há prova acerca disso. Na folha 48 dos autos, está inserido documento por ela expedido, através do qual age expressamente assim em relação ao seu usuário de nome André Felipe Medeiros Nóbrega. Segundo ali inserido, a patologia seria preexistente segundo análise de sua auditoria.

Além disso, o fato de informar que usa do procedimento de rescindir unilateralmente os contratos com seus usuários, por fraude, é claro indicativo que o faz quando entende que a doença ou lesão é preexistente e não foi informada no momento da contratação. Ou seja, deixa evidenciado de que, em tais casos, não apenas suspende o atendimento ao seu cliente, mas dá por findo o contrato, agindo de modo ainda mais gravoso.

Ora, em caso de entender que a doença ou lesão é preexistente, não pode a operadora suspender a assistência sem que seja dado ao consumidor a oportunidade de discordar dessa conclusão, quanto mais rescindir o contrato, que é medida extrema e que pressupõe não só a preexistência da enfermidade, mas também o seu conhecimento prévio por parte do titular ou beneficiário do contrato, e mais ainda o seu dolo em agir de modo danoso à operadora.

O texto inserido na Resolução n.º 02/98, do Conselho de Saúde Complementar - CONSU, que trata administrativamente da matéria, é de clareza meridiana, ao prever, em seu artigo 7º e seus parágrafos, que, alegada a existência de doença ou lesão não declarada por ocasião da contratação do plano ou seguro, o consumidor terá que ser comunicado imediatamente pela operadora. E caso o consumidor não concorde com a alegação, a operadora deverá encaminhar a documentação pertinente ao Ministério da Saúde, que efetuará o julgamento administrativo da procedência da alegação, após entrega efetiva de toda a documentação.

Ora, não há aí a exigência de que a discordância do consumidor seja feita por escrito, o que, mesmo que houvesse, seria questionável, pois seria meio burocrático de dificultar ao consumidor o exercício do seu direito. Desse modo, mesmo que o inconformismo seja verbal, a operadora fica obrigada a dar o trâmite acima referido, durante o qual não poderá suspender, nem muito menos rescindir o contrato, visto que não ficou ainda atestado que o usuário era portador de doença ou lesão preexistente e de que tinha conhecimento acerca disso.

O comportamento fraudulento somente fica configurado, caso o ente estatal conclua que houve a omissão deliberada do usuário da operadora em informar a sua enfermidade. Não é admissível que a operadora, preocupada primordialmente com suas finanças, tenha o condão de decidir quando houve ou não fraude contra si.

Quanto aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da Lei n.º 9.656/98, a própria resolução acima referida traz a solução aplicável, dispondo em seu artigo 9º que aplicam-se as suas disposições não apenas aos contratos celebrados na sua vigência, mas aos existentes anteriores, a partir das respectivas adaptações, bem como, no que couber, aos demais contratos vigentes.

Daí se conclui que, no que concerne ao objeto do presente litígio, as disposições dessa resolução são aplicáveis a todos os contratos operados pela parte ré, visto que a sua obrigação de não suspender ou não rescindir os pactos com seus usuários, nos termos acima explicitados, é perfeitamente consentâneo a todos eles, visto ser essa previsão norma de natureza eminentemente procedimental.

Por conseguinte, JULGO PROCEDENTE a pretensão deduzida em Juízo pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte e condeno a parte ré, HAPVIDA ASSISTÊNCIA MÉDICA LTDA:

1) a não suspender unilateralmente a assistência aos seus usuários, sob o argumento de que a patologia é preexistente à contratação do plano de saúde, nas situações em que for recusada pelo consumidor a alegação, enquanto não exaurido o procedimento regulado no artigo 11 da Lei n. 9656/98 e na Resolução n.º 02/09 do CONSU, seja a discordância do usuário feita por escrito ou verbalmente;

2) a fazer incidir a obrigação assinalada no item antecedente sobre a integralidade dos casos nos quais, anteriormente ao ajuizamento desta ação, tenha ocorrido a recusa da cobertura em desarmonia com as hipóteses legais referidas, imputando-se à demandada a obrigação de comunicar aos usuários a possibilidade de restabelecimento da assistência relacionada com a doença preexistente, assim como do contrato eventualmente rescindido por este motivo, ficando o consumidor desobrigado do pagamento da sua contraprestação contratual no período compreendido entre a data da suspensão/rescisão do contrato e a data do restabelecimento, visto que não se utilizou dos serviços da operadora nesse período, caso isso seja de interesse do consumidor.

3) ao pagamento de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), pelo descumprimento da medida concedida nos termos dos tópicos anteriores, por cada cobertura recusada ou não restabelecida.

Outrossim, condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Natal/RN, 10 de julho de 2009

CLEANTO FORTUNATO DA SILVA
Juiz de Direito Auxiliar



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