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segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Informativo STF 35 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Brasília, 10 a 14 de junho - Nº 35

Este Informativo, elaborado pela Assessoria da Presidência do STF a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não oficiais de decisões proferidas na semana pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a publicação das mesmas no Diário da Justiça.


ÍNDICE DE ASSUNTOS

Associação para Tráfico

Autonomia Estadual

Conflito de Competência

Contagem de Prazo no CPP

Direito de Recorrer em Liberdade

Escuta Telefônica

Frutos da Árvore Envenenada

Fundamentação e Nulidade

Legitimidade para ADIn

Participação em Campanha Eleitoral

Pensão de Ex-Combatente

Prestação Jurisdicional

Prisão Provisória e Pronúncia

Representação do Ofendido

Vantagens de Caráter Pessoal e Isonomia

Clipping do DJ

Transcrições


Plenário

Legitimidade para ADIn

Das entidades autárquicas de fiscalização profissional, somente o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil está legitimado à propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103, VII). Com esse fundamento, o Tribunal não conheceu de ação direta ajuizada pelo Conselho Federal de Ser-viço Social, vencido o Min. Sepúlveda Pertence, que enquadra essa espécie de autarquia no conceito de "entidade de classe de âmbito nacional" (CF, art. 103, IX). Precedente citado: AADIn 641-DF (RTJ 144/747). ADIn 1.463-RS, rel. Min. Ilmar Galvão, 03.06.96.

Frutos da Árvore Envenenada

Examinando novamente o problema da validade de provas cuja obtenção não teria sido possível sem o conhecimento de informações provenientes de escuta telefônica autorizada por juiz - prova que o STF con-sidera ilícita, até que seja regulamentado o art. 5º, XII, da CF ("é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunica-ções telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução pro-cessual penal;") -, o Tribunal, por maioria de votos, aplicando a doutrina dos "frutos da árvore envenena-da", concedeu habeas corpus impetrado em favor de advogado acusado do crime de exploração de prestígio (CP, art. 357, par. único), por haver solicitado a seu cliente (preso em penitenciária) determinada impor-tância em dinheiro, a pretexto de entregá-la ao juiz de sua causa. Entendeu-se que o testemunho do cliente - ao qual se chegara exclusivamente em razão da escuta - , confirmando a solicitação feita pelo advogado na conversa telefônica, estaria "contaminado" pela ilici-tude da prova originária. Vencidos os Ministros Carlos Velloso, Octavio Gallotti, Sydney Sanches, Néri da Silveira e Moreira Alves, que indeferiam o habeas corpus, ao fundamento de que somente a prova ilícita - no caso, a escuta - deveria ser desprezada. Precedentes citados: AHC 69912-RS (DJ de 26.11.93), HC 73351-SP (Pleno, 09.05.96; v. Informativo nº 30). HC 72.588-PB, rel. Min. Maurício Corrêa, 12.06.96.

Autonomia Estadual

O Estado-membro, quando contrata servidores sob o regime da legislação trabalhista, sujeita-se à política salarial estabelecida pela União. Com base nesse fun-damento, o Tribunal reconheceu o direito de servido-res celetistas de autarquia do Estado de Minas Gerais ao recebimento de diferenças remuneratórias decor-rentes da aplicação dos chamados "gatilhos salariais" (Decretos-leis 2284/86, 2302/86, 2335/87, 2336/87 e 2343/87). Precedente citado: ARp 745-DF (RTJ 45/01). RE 164.715-MG, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13.06.96.

Pensão de Ex-Combatente

Deferido mandado de segurança contra ato do Tribunal de Contas da União que negara o registro de pensão a filha de ex-combatente, sob o argumento de que a relação de dependência exigida pelo art. 53, III, do ADCT, já não existia à época do falecimento da mãe da impetrante, anterior beneficiária da pensão. Prevaleceu o entendimento de que as normas aplicá-veis à espécie são as vigentes ao tempo do falecimento do ex-combatente, ocorrido antes da promulgação da Carta de 1988, quando o vínculo de dependência não era exigível. Vencidos os Ministros Sydney Sanches e Moreira Alves, ao fundamento de que o TCU aplicara corretamente a disciplina do mencionado art. 53, III, do ADCT, em vigor ao tempo da morte da viúva, fato gerador da pretendida reversão. Precedente citado: AMS 21707-DF (DJ de 13.10.95); MS 22108-MA (Pleno, 16.08.95). MS 21.610-RS, rel. Min. Carlos Velloso, 12.06.96.

Participação em Campanha Eleitoral

Tendo em vista a alteração promovida pelo Tribunal Superior Eleitoral no texto da Resolução TSE nº 19572/96 - tornando legítima a participação, antes vedada, em atos públicos de campanha eleitoral de candidato ou partido político, das autoridades públicas listadas na alínea a do inc. II do art. 1º da LC 64/90 (Governadores, Ministros e Secretários de Estado, Prefeitos, etc.), desde que não acarrete o comprometimento de recursos públicos -, o Tribunal julgou prejudicada a ação direta de inconstitucionalidade contra ela ajuizada pelo Partido Progressista Brasileiro - PPB. AADIn 1451-DF, rel Min. Octavio Gallotti, 12.06.96.

Vantagens de Caráter Pessoal e Isonomia

Deferida a suspensão de eficácia do art. 4º da Lei 11050/94, do Estado de Pernambuco, que autoriza o Presidente do Tribunal de Justiça a determinar, sempre que a soma do subsídio com a representação do depu-tado ultrapassar em mais de 35% a soma do venci-mento com a verba de representação do desembarga-dor, o acréscimo do excesso à remuneração deste. O Tribunal considerou relevante a argumentação deduzi-da pela Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, autora da ação, no sentido de que o dispositivo impugnado estaria frustrando a isonomia assegurada pelo art. 37, XI, da CF, ao computar, na remuneração dos desembargadores, percentual correspondente a vantagem de caráter pessoal, como são os adicionais por tempo de serviço. Suspendeu-se, também, a eficá-cia do parágrafo único do art. 1º e dos §§ 1º e 2º do mencionado art. 4º. AADIn 1.456-PE, rel. Min. Ilmar Galvão, 12.06.96.


Primeira Turma

Contagem de Prazo no CPP

Tratando-se de intimação realizada mediante carta precatória, o prazo começa a correr a partir da própria intimação, e não da data de juntada aos autos da pre-catória. Havendo previsão expressa na lei processual penal (art. 798, § 5º, a), não há espaço para a aplicação analógica do art. 241, IV, do CPC ("Começa a correr o prazo: IV- quando o ato se realizar em cumprimento de carta de ordem, precatória ou rogatória, da data de sua juntada aos autos devidamente cumprida;"). Com base nesse fundamento, a Turma indeferiu, por maioria de votos, habeas corpus impetrado contra acórdão que julgara intempestiva a apelação interposta pela defesa do paciente. Vencido o Min. Celso de Me-llo, relator, que aplicava, por analogia (CPP, art. 3º), o art. 241, IV, do CPC. HC 73.971-GO, rel. orig. Min. Celso de Mello; rel. p/ ac. Min. Ilmar Galvão, 11.06.96.

Escuta Telefônica

Se as provas que serviram de base à sentença e ao acórdão foram obtidas sem auxílio dos elementos in-formativos fornecidos pela escuta telefônica, não há falar em nulidade da condenação. Hipótese em que não se aplica a doutrina dos "frutos da árvore envene-nada". AHC 73.461-SP, rel. Min. Octavio Gallotti, 11.06.96.

Fundamentação e Nulidade

Não é nulo acórdão que adota como razão de de-cidir, por remissão, os fundamentos de parecer ofere-cido em segunda instância pelo Ministério Público, na qualidade de custos legis. AHC 73.545-SP, rel. Min. Ilmar Galvão, 11.06.96.

Associação para Tráfico

A condenação pelo crime do art. 14 da Lei de Tó-xicos ("Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 12 e 13 desta Lei") pode ocorrer em processo no qual somente um dos prová-veis integrantes da associação figure como réu. Cui-dando-se da associação de três pessoas, o fato de a primeira haver sido absolvida da imputação não basta à descaracterização do delito em relação à segunda, se a terceira ainda não foi julgada. Habeas corpus indefe-rido, reconhecendo-se ao paciente o direito à revisão criminal, caso se verifique a absolvição do terceiro denunciado. Precedente citado: AHC 62153-SP (RTJ 112/1064). HC 73593-SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, 11.06.96.


Segunda Turma

Representação do Ofendido

O art. 88 da Lei 9.099/95 ("... dependerá de re-presentação a ação penal relativa aos crimes de le-sões corporais leves e lesões culposas") aplica-se aos feitos em andamento. Com esse fundamento, a Turma anulou acórdão que se omitira sobre a aplicação, a processo por lesões corporais culposas, do procedi-mento previsto no mencionado dispositivo. Precedente citado: Inq 1.055-AM (DJ de 24.05.96). Habeas cor-pus deferido para cassar o acórdão impugnado e de-terminar que o tribunal a quo que conceda à vítima oportunidade para o oferecimento de representação. AHC 73.837-GO, rel. Min. Marco Aurélio, 11.06.96.

Conflito de Competência

Iniciado o julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do STJ que decidira pela competência da Justiça Eleitoral para conhecer de mandado de segurança impetrado por suplentes de vereadores, perante a Justiça comum estadual, contra ato de presidente de câmara municipal que lhes indefe-rira a posse como titulares. Sustenta-se no RE a com-petência da justiça comum, tendo em vista que a juris-dição da justiça eleitoral se exaure com a diplomação dos eleitos, sendo esta suficiente para viabilizar a pos-se pretendida. Após o voto do Min. Néri da Silveira, relator, confirmando a decisão recorrida, o julgamento foi do adiado em virtude de pedido de vista do Min. Maurício Corrêa. ARE 202.520-PR, Néri da Silveira, 11.06.96.

Direito de Recorrer em Liberdade

Sentença que reconhece ao réu o direito de per-manecer em liberdade até o trânsito em julgado da condenação não impede que, improvida a apelação interposta pela defesa, seja determinado o seu imedi-ato recolhimento à prisão. Com base nesse entendi-mento, a Turma indeferiu habeas corpus em que o paciente, condenado nas instâncias ordinárias, preten-dia continuar solto até o julgamento do recurso espe-cial; vencido o Min. Marco Aurélio, relator, que con-cedia a ordem para que o paciente aguardasse em li-berdade até o trânsito em julgado da condenação. AHC 74.011-SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio; rel. p/ ac. Min. Maurício Corrêa, 10.06.96.

Prestação Jurisdicional

Iniciado o julgamento de recurso extraordiná-rio no qual se imputa a acórdão do TST que rejeitara embargos declaratórios, sem suprir a omissão aponta-da pelo embargante, ofensa aos incisos XXXV, LIV e LV do art. 5º e inc. IX do art. 93 da CF (garantia de acesso ao Judiciário, devido processo legal, ampla defesa, e necessidade de motivação das decisões judi-ciais). Após o voto do Min. Marco Aurélio, relator - conhecendo e provendo o recurso extraordinário para determinar que outra decisão seja proferida, emitindo o tribunal a quo entendimento explícito sobre as ale-gações deduzidas nos embargos declaratórios -, o jul-gamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Maurício Corrêa. ARE 158.655-PA, rel. Min. Mar-co Aurélio, 10.06.96.

Prisão Provisória e Pronúncia

A prisão provisória não decorre automaticamente da pronúncia do réu, sendo necessário que sua decre-tação esteja adequadamente fundamentada. Habeas corpus deferido para, mantida a pronúncia do paciente, cassar o decreto de prisão, tendo em vista a falta de motivação. AHC 73.364-RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 11.06.96.


 Sessões   Ordinárias   Extraordinárias   Julgamentos

Pleno           12.06.96           13.06.96                    14

Pleno            11.06.96           ----------                    86

1ª Turma     11.06.96            10.06.96                 270


CLIPPING DO DJ - 14 de junho de 1996


HC nº 72156-7
Rel.: Min. Ilmar Galvão

EMENTA: HABEAS CORPUS. JÚRI. TENTATIVA DE HOMICÍDIO E CONTRAVENÇÃO PENAL POR DIS-PARO DE ARMA DE FOGO. APLICAÇÃO CUMU-LATIVA DAS PENAS DE RECLUSÃO E DE MULTA. FATOR DE REDUÇÃO DECORRENTE DA TENTATI-VA. MOTIVAÇÃO.
1. A jurisprudência desta Corte tem admitido que a motivação da aplicação da pena, embora não esteja contida no capítulo a ela dedicado, com suficiente precisão, pode ser buscada nas circunstâncias do fato delituoso. Ino-corre vício na escolha do fator de redução de um terço pelo delito tentado (CP, art. 14, parágrafo único), se os elementos existentes permitem inferir que esse percentual foi adotado em razão do caminho percorrido pelo pacien-te.
2. Existência de mero equívoco no questionário submetido aos jurados, quando se indagou sobre o delito do art. 132 do Código Penal, quando, na realidade, se tratava da contravenção de disparo de arma de fogo, equívoco esse que foi corrigido pelo acórdão, que corretamente aplicou a pena relativa ao art. 28 da Lei das Contravenções Pe-nais.
3. Embora os elementos, motivos e circunstâncias do crime estejam a indicar que o delito contravencional foi absorvido pela tentativa de homicídio, não cabe, na via do habeas corpus, proceder-se à correção, tendo em vista estar-se diante de condenação à pena de multa, em que inexiste ameaça à liberdade de locomoção, na linha do que vem decidindo o Supremo Tribunal Federal.
4. Conhecido, em parte, o pedido de habeas corpus e, nessa parte, indeferido.

HC nº 73464-2
Rel.: Min. Carlos Velloso

EMENTA: - PENAL. PROCESSUAL PENAL. "HABEAS CORPUS". DECISÃO DO JÚRI. APELA-ÇÃO: LIMITES. CERCEAMENTO DE DEFESA. DE-FICIÊNCIA DA DEFESA: NÃO COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO PARA OS RÉUS.
I. - A apelação contra as decisões do júri não devolve à instância superior o conhecimento pleno da causa, ficando circunscrita aos motivos invocados no recurso.
II. - O direito de defesa é amplo, mas não irrestrito, e encontra delimitação, no que concerne à interposição de recursos, na legislação própria.
III. - A lei processual adotou o princípio de que so-mente se anula ato processual se comprovado o prejuízo para a defesa, na linha do adágio "pas de nullité sans grief".
IV. - HC indeferido.

HC nº 73481-2
Rel.: Min. Ilmar Galvão

EMENTA: HABEAS CORPUS. AUDIÊNCIA DE INS-TRUÇÃO. AUSÊNCIA DO RÉU. INTIMAÇÃO DO DE-FENSOR. NULIDADE RELATIVA. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem como relativa a nulidade por falta da requisição do réu preso, para se fazer presente à audiência de instrução, sanável, se não arguida oportunamente. Habeas corpus indeferido.

HC nº 73538-0
Rel.: Min. Octavio Gallotti

EMENTA: - Oferecimento de razões escritas em audiência, pela acusação. Possível nulidade simplesmente relativa, sem protesto oportuno, nem evidência de prejuízo. Embora não seja motivo de aumento de pena em abstrato, como sucede com as dolosas, a gravidade das lesões corporais culposas pode influir na dosagem, em con-creto, da reprimenda. Invocação da Lei nº 9.099-95, art. 91, que peca por ser a sua vigência ulterior ao acórdão impugnado.

RE nº 160850-1
Rel.: Min. Ilmar Galvão

EMENTA: AUDITORES DO ESTADO DO MARA-NHÃO. VENCIMENTOS. ISONOMIA COM OS AUDI-TORES DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO. VE-DAÇÃO. SÚMULA 339. Segundo assentado pelo Supremo Tribunal Federal, não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função le-gislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento em isonomia (Súmula 339), nem ao próprio legislador é dado, segundo a Constituição vi-gente, estabelecer vinculação ou equiparação de venci-mentos (arts. 37, XIII). O art. 39, § 1º, da CF, ao assegurar isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou asseme-lhadas do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, estabelece norma que há de ser observada pelo Poder Legislativo na fixação da remuneração devida aos integrantes de cada categoria funcional, não havendo margem para extensão da remu-neração de uma categoria a outra. Recurso extraordinário conhecido e provido.

Ag nº 178005-4 (AgRg)
Rel.: Min. Maurício Corrêa

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRABALHISTA. NORMA SU-PERVENIENTE QUE ALTERA O PADRÃO MONE-TÁRIO. SENTENÇA NORMATIVA. REAJUSTE SA-LARIAL. COISA JULGADA E DIREITO ADQUIRIDO. INEXISTÊNCIA. A sentença normativa tem natureza singular e pro-jeta no mundo jurídico apenas norma de caráter genérico e abstrato, embora nela se reconheça a existência da eficácia da coisa julgada formal no período de vigência mínima definida em lei (art. 873, CLT), e, no âmbito do direito substancial, coisa julgada material em relação à eficácia concreta já produzida. É norma editada no vazio legal. Porém, editada a lei, norma de caráter imperativo, esta se sobrepõe a todas as demais fontes secundárias de direito - convenção, acordo ou sentença normativa -, sendo nula, de pleno direito, disposição de convenção ou acordo coletivo que contrarie proibição ou norma disciplinadora do Go-verno ou concernente à política salarial vigente (art. 623, CLT). A sentença normativa firmada ante os pressupostos legais então vigentes pode ser derrogada por normas poste-riores que venham a imprimir nova política econômico-monetária, por ser de ordem pública, de aplicação imedi-ata e geral, sendo demasiado extremismo afirmar-se a existência de ofensa ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada, em face de a decisão recorrida haver adequado os reajustes salariais da categoria, emer-gentes de acordo em dissídio coletivo, ao plano de estabili-zação econômica. Agravo regimental conhecido, mas improvido.


TRANSCRIÇÕES

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Responsabilidade Civil do Estado
RE 109.615-RJ
Ministro Celso de Mello (relator)

Relatório - O Município do Rio de Janeiro interpõe recurso extraordinário contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado, que, reconhecendo a responsabilidade civil objetiva do ora recorrente, condenou-o a indenizar vítima de acidente ocorrido nas dependências de uma de suas escolas municipais. Esse infortúnio, que atingiu aluno da rede escolar pú-blica, gerou, na vítima, deformidade traumática com incapacidade permanente para o trabalho (perda total do globo ocular direito). Alega o Município recorrente ofensa ao art. 107 da Carta Federal então vigente (CF/69), eis que "(...) o infeliz acidente que acarretou dano à Autora foi provocado por uma sua colega de classe (...)" (fls. 213), objetivando afastar, desse modo, com tal argumento, qualquer responsabilidade da Administração Pública municipal na eclosão dos gravíssimos danos causados à aluna que foi vitimada na própria sala de aula da escola municipal. Regularmente processado, o presente apelo extremo subiu a esta Corte em virtude de provimento do respectivo Agravo de Instrumento. É o relatório.

Voto - Trata-se de recurso extraordinário interposto pelo Município do Rio de Janeiro contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado, que está assim ementado (fls. 208), verbis: "Responsabilidade civil. Lesão causada em aluna, por outra, em sala de aula, ambas impúberes.
Perda total do globo ocular direito, pela vítima, com deformidade traumática permanente, percentual incapacitatório para o trabalho, de 75%. Evento causado por omissão da administração da escola, onde o mesmo se verificou, nas cautelas compatíveis com a segurança dos alunos durante a atividade escolar. Responsabilidade objetiva do Município, proprietário da escola, face ao que preceitua o art. 107 da Constituição Federal. Dano estético com repercussão patrimonial." (grifei)
A discussão em causa gira em torno do reconhecimento da responsabilidade civil objetiva do Município do Rio de Janeiro.
O ora recorrente, buscando descaracterizar a sua responsabilidade civil, argumenta, nas razões recursais (fls. 213), que: "Conforme doutrina e jurisprudência pacíficas, na interpretação do art. 107 da CF, esta só atribui responsabilidade objetiva à Administração pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Portanto, o legislador constituinte só cobriu o risco administrativo da atuação ou inação dos serviços públicos; não responsabilizou objetivamente a Administração por atos predatórios de terceiros, nem por fenômenos naturais que causem danos aos particulares (cf. HELY MEIRELLES, Dir. Adm. Bras., texto integral às fls. 182/183).
Na hipótese sub examine, como se apura das peças do processo, o infeliz acidente que acarretou dano à Autora foi provocado por uma sua colega de classe que, apesar das diligências e fiscalizações normalmente realizadas nos objetos portados por alunos, tinha a posse de uma agulha de injeção."
Entendo não assistir qualquer razão ao Município recorrente.
A situação de fato que gerou o evento imputado ao Município do Rio de Janeiro/RJ põe em evidência todos os pressupostos primários determinadores do reconhecimento constitucional da responsabilidade civil objetiva dessa pessoa jurídica de direito público, eis que a vítima, com apenas 10 anos de idade, na condição de aluna de Escola pública, achava-se, no momento do fato, sob os cuidados, a vigilância e a fiscalização do Poder Público, em estabelecimento escolar oficial mantido e administrado pelo próprio Município, que foi incapaz de impedir a consumação de evento danoso gravíssimo, consistente na perda total do globo ocular direito, com deformidade traumática permanente, causada por outra menor impúbere que também estudava na mesma unidade de ensino fundamental.
No caso, o Município do Rio de Janeiro/RJ, "pela falta dos recursos necessários ao funcionamento regular e satisfatório dos estabelecimentos públicos de ensino" (fls. 209), incidiu em comportamento configurador de típica falha funcional, com conseqüências danosas para um dos alunos da rede escolar pública, que sofreu - ante a incapacidade da Administração Pública de prover os serviços adequados e de dispensar proteção eficaz aos que se acham matriculados em seus estabelecimentos escolares - dano de conseqüências extremamente graves.
A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos, por ação ou por omissão, houverem dado causa. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público, consoante enfatiza o magistério da doutrina (HELY LOPES MEIRELLES, "Direito Administrativo Brasileiro", p. 561, 21ª ed., 1996, Malheiros; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, "Direito Administrativo", p. 412/413, 5ª ed., 1995, Atlas; DIOGENES GASPARINI, "Direito Administrativo", p. 410/411, 1989, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS, "Comentários à Constituição do Brasil", vol. 3, tomo III/172, 1992, Saraiva; JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Curso de Direito Constitucional Positivo", p. 620/621, 12ª ed., 1996, Malheiros, v.g.).
Impõe-se destacar, neste ponto, que os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 - RTJ 71/99 - RTJ 91/377 - RTJ 99/1155 - RTJ 131/417).
A ausência de qualquer desses pressupostos basta para descaracterizar a responsabilidade civil objetiva do Estado, especialmente quando ocorre circunstância que rompe o nexo de causalidade material entre o comportamento do agente público e a consumação do dano pessoal ou patrimonial. Tal situação, contudo, não ocorreu no caso em exame.
O princípio da responsabilidade objetiva - já advertiu o Supremo Tribunal Federal - não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias - como o caso fortuito e a força maior - ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima (RDA 137/233 - RTJ 55/50).
As circunstâncias do presente caso - apoiadas em pressupostos fáticos soberanamente reconhecidos pelo Tribunal a quo - evidenciam que o nexo de causalidade material restou plenamente configurado em face do comportamento omissivo em que incidiu o agente do Poder Público (funcionário escolar), que se absteve de adotar as providências reparatórias que a situação estava a exigir. Na realidade, consta dos autos que, por incompreensível omissão administrativa, não só deixou de ser solicitado e prestado imediato socorro médico à vítima, mas, também, absteve-se a própria administração escolar de notificar os pais da aluna atingida, com a urgência que o caso requeria.
Essa sucessão de erros culminou no resultado dramático que este processo registra: a pequena vítima sofreu a enucleação de seu globo ocular direito, com perda correspondente da visão, além de deformidade traumática permanente, com elevado índice percentual incapacitante das atividades laborais ordinárias. E todas essas conseqüências - tal como pôde reconhecer o Tribunal a quo - resultaram de omissão da Administração escolar no emprego e na adoção das medidas de cautela impostas pela exigência de seguran-ça a que o Poder Público - enquanto guardião de alunos confiados à sua vigilância - está sujeito no plano das atividades escolares desenvolvidas pela rede pública de ensino.
Impõe-se reconhecer, por irrecusável, que o Município tem o dever de proporcionar segurança aos alunos que freqüentam as escolas públicas por ele mantidas, enquanto permanecerem no recinto das unidades de ensino.
Essa obrigação jurídica do Município projeta-se em relação a todos e a cada um dos alunos, que, matriculados na rede escolar municipal, estejam, no momento do fato lesivo, no interior do próprio estabelecimento de ensino, sob a guarda, a vigilância e a proteção do Poder Público, ressalvadas, evidentemente - consoante adverte o magistério da doutrina (LUCIA VALLE FIGUEIREDO, "Curso de Direito Administrativo", p. 186, item n. 10, 2ª ed., 1995, Malheiros; CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, "Curso de Direito Administrativo", p. 456/458, itens n. 77-82, 4ª ed., 1993, Malheiros) -, as situações que descaracterizam o nexo de causalidade material entre o evento danoso e a atividade estatal imputável aos agentes públicos.
Impõe-se ao Poder Público, desse modo, como específica conseqüência de seu dever de proteção e de vigi-lância sobre todos os que se acham sob sua guarda nas es-colas públicas, a obrigação de adotar providências que, dili-gentemente executadas, destinem-se a evitar situações lesivas aos alunos, notadamente quando estes - sendo ain-da menores impúberes - se encontrem na própria sala de aula, sob a direta e imediata supervisão do Professor.
Não tem sentido, por isso mesmo, que, por falha na vigilância ou por falta de adequada fiscalização, as crianças, que se acham sob o cuidado do Poder Público nas escolas integrantes da rede oficial de ensino, venham a sofrer injusta ofensa em sua própria incolumidade física, agravada pela ausência de imediata adoção, por parte dos órgãos competentes da administração escolar, de medidas eficazes destinadas a atenuar os gravíssimos efeitos decorrentes do ato lesivo.
Se é certo que incumbe ao Poder Público garantir o acesso de todos à educação formal - que visa ao pleno des-envolvimento da pessoa, ao seu preparo para o exercício da cidadania e à sua qualificação para o trabalho -, também é irrecusável reconhecer que assiste à entidade governamental o dever de preservar o bem-estar e a segurança de todos os que, matriculados nas escolas da rede oficial - e durante o período de sua permanência no recinto escolar - freqüen-tem as aulas ministradas nos estabelecimentos escolares mantidos pelas instituições estatais.
A obrigação de preservar a intangibilidade física dos alunos, enquanto estes se encontrarem no recinto do estabelecimento escolar, constitui encargo indissociável do dever que incumbe ao Estado de dispensar proteção efetiva a todos os estudantes que se acharem sob a guarda imediata do Poder Público nos estabelecimentos oficiais de ensino. Descumprida essa obrigação, e vulnerada a integridade corporal do aluno - tal como no caso ocorreu -, emerge a responsabilidade civil do Poder Público pelos danos causa-dos a quem, no momento do fato lesivo, se achava sob a guarda, atenção, vigilância e proteção das autoridades e dos funcionários escolares.
É preciso enfatizar que o Poder Público, ao receber o menor estudante em qualquer dos estabelecimentos da rede oficial de ensino, assume o grave compromisso de velar pela preservação de sua integridade física, devendo empregar todos os meios necessários ao integral desempe-nho desse encargo jurídico, sob pena de incidir em respon-sabilidade civil pelos eventos lesivos ocasionados ao aluno, os quais, muitas vezes, decorrem da inércia, da omissão ou da indiferença dos servidores estatais.
Essa é a razão pela qual YUSSEF SAID CAHALI ("Responsabilidade Civil do Estado", p. 412, item n. 69, 2ª ed., 1995, Malheiros), em autorizado magistério, asseve-ra, na perspectiva do princípio constitucional da responsabi-lidade objetiva do Estado, que "Responde, também, a Fa-zenda Pública pelo dano derivado de ofensa física de um estudante contra outro ocorrida em estabelecimento escolar", eis que - em tal situação - a ausência de vigilância necessá-ria dos agentes estatais atua como fato gerador da responsa-bilidade civil do Poder Público.
Cumpre acentuar que essa mesma tese - ora acolhi-da neste voto - foi prestigiada em julgamento proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que, analisando essa quaestio juris, enfatizou a responsabilidade estatal pela segurança pessoal de todos aqueles que, como alunos, freqüentam os estabelecimentos oficiais da rede pública de ensino (RJTJSP 93/156-157): "Ao receber o menor estudante, deixado no estabelecimento de ensino da rede oficial para as ativi-dades de aprendizado, a entidade pública se investe no dever de preservar a sua integridade física, havendo de empregar, através dos mestres e demais servidores, a mais diligente vigilância para evitar qualquer conse-qüência lesiva, que possa resultar do convívio escolar.
E responde, no plano reparatório, se, durante a per-manência no interior da unidade de ensino, o aluno vem, por efeito de inconsiderada atitude de colega, a so-frer violência física, restando-se lesionado de forma ir-reversível.
A responsabilidade, aí, é inerente à extensão dos cuidados exigidos para a custódia do menor vitimado. E, com respeito ao ente estatal, se filia ao princípio con-sagrado no art. 107 da CR, configurando-se pela sim-ples falha na garantia de incolumidade, independente-mente da culpa concreta de qualquer servidor."
O Ministério Público Federal, ao opinar pelo não acolhimento da postulação recursal ora deduzida, observou, corretamente, que "o Estado só se exime da responsabili-dade se conseguir provar que o dano resultou de ato exclusi-vo do prejudicado. Não é esta, pois, a hipótese dos autos. Aqui, se é verdade que não foi imputada culpa pessoal à professora, não há dúvida de que houve pelo menos a falta do serviço. A criança foi entregue sã e salva nas depen-dências escolares do Município. E de lá saiu com 75% de perda de sua capacidade para os atos normais da vida. Houve falha na vigilância, sem dúvida. A responsabili-dade é objetiva" (fls. 250 - grifei).
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar causa na qual se pôs em discussão tema virtualmente idêntico ao dos presentes autos, assim decidiu:
"Responsabilidade civil do Estado. Artigo 107 da Constituição. Assentada no risco administrativo, independe da prova de culpa. Basta que o lesado de-monstre o nexo causal entre o fato e o dano. Recurso conhecido e provido." (RE 116.333-RJ, Rel. Min. CARLOS MADEIRA, DJU de 19/08/88).
De outro lado, ainda que ausente qualquer parcela de responsabilidade da servidora municipal (Professora da Escola pública) na eclosão do evento de que resultou a ce-gueira parcial da aluna de sua própria classe, tal circunstân-cia, só por si, não teria o condão de exonerar o Município do Rio de Janeiro/RJ da responsabilidade civil - que é obje-tiva - decorrente do fato danoso em questão.
É que a responsabilidade objetiva do Poder Público não deriva, necessariamente, da conduta eventualmente cul-posa dos agentes estatais. Posto que é inteiramente objeti-va, essa modalidade de responsabilidade civil prescinde da demonstração de dolo ou culpa subjacente ao comporta-mento do servidor público. Daí a observação de YUSSEF SAID CAHALI ("Responsabilidade Civil do Estado", p. 44, item 14, 2ª ed., 1995, Malheiros):
"Tendo a Constituição da República de 1988 (a exemplo das anteriores) adotado a teoria da responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas indica-das em seu art. 37, § 6º, a que bastaria o nexo de causa-lidade entre o dano e a ação ou omissão do ente públi-co ou privado prestador de serviço público, mostra-se, em princípio, despicienda qualquer averiguação do dolo ou da culpa por parte de seus agentes, por des-necessária a sua prova" (grifei).
No caso presente, restou plenamente evidenciado que o Tribunal a quo proferiu decisão que interpretou, com absoluta fidelidade, a norma constitucional que consagra, em nosso sistema jurídico, a responsabilidade civil objetiva do Poder Público. O acórdão impugnado nesta sede recursal extraordinária, ao fazer aplicação do preceito constitucional em referência, reconheceu, com inteiro acerto, no caso em exame, a cumulativa ocorrência dos requisitos concer-nentes (1) à consumação do dano, (2) à omissão ad-ministrativa, (3) ao vínculo causal entre o evento danoso e o comportamento estatal e (4) à ausência de qualquer causa excludente de que pudesse eventualmente decorrer a exoneração da responsabilidade civil do Município.
Sendo assim, e pelas razões expostas, não conheço do presente recurso extraordinário, mantendo, em conse-qüência, o acórdão proferido pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
É o meu voto.



Assessor responsável pelo Informativo: Miguel Francisco Urbano Nagib

 
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Informativo STF - 35 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

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